domingo, 24 de dezembro de 2006

Mensagem

Enquanto perdurar o mar de felicidades,
não tenha dúvidas, minha pequenina
:seja sempre esta doce e ágil menina,
de cabelos grossos e odor insuperável.
Deram-lhe o mundo e em suas mãos
ele estará bem cuidado, adorável, e
amado demais, dilacerado continuará
nosso coração enquanto nossa nau
não atracar em algum porto seguro,
bem pertinho da multidão, para que
vejam e saibam e não se esqueçam
- e todos eles - que o amor persiste.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

As rosas não falam, Cartola

terça-feira, 19 de dezembro de 2006

Futebol

Vou repetir de novo,
putas, meretrizes,
donas-de-casa, cortesãs,
noivas, feministas,
anãs, famigeradas,
atrizes e cadelas,

Não temos medo de viver
intensamente
milhares e milhares e milhares
de paixões e amores e aliterações
cacofônicas e sem sentido.
Às favas com a razão mesmo,
não nos importamos.

Tampouco receamos vocês
beijando nossa nuca
com olhar apaixonado
- que adoramos.
E não esperamos que entendam.

Só queremos de vocês
o perene comunicado,
nada mais que isso.
Queremos muito que digam
sem meias-palavras,
olhando nos nossos olhos:
"Adoro ser menos importante
que o Futebol!"

Isso e somente isso é necessário
para suplantar todas as juras,
todas as promessas que vocês
nos obrigaram - sim, obrigaram -
a fazer.

Queremos que aceitem,
a nossa subordinação,
a nossa fidelidade,
a nossa devoção
pelo Futebol.

Queremos que entendam
que jogar, olhar, torçer,
calcular, vaiar, xingar,
chorar e até matar
são atitudes simples
quando tratamos de Futebol.

E tão cedo percebam, compreendam
e bem queiram (também) nosso Futebol,
desnecessário termos de divórcio,
separações consensuais, litigiosas,
partilhas de bens (entregamos tudo!).

E aceitamos tudo, não nos importamos com nada.
O resto fazemos em um outro dia!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Vasco da Gama / Figueirense Futebol Clube

domingo, 17 de dezembro de 2006

Andarilho

tem dias
em que a pessoa
segue o rumo

vai prum lado
e a outra
para outro lado

a estrada é a mesma.

um anda
para frente
o outro
para trás

qual deles
somos nós?

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Alma do Mundo, Suzanna Tamaro

sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

A Flecha e a Estrela

Um coração ferido tem sempre
uma flecha e uma estrela no coração.

A flecha tem nome,
estado civil, sobrenome,
endereço certo
e profissão.

A estrela tem tudo isso,
mas só vêem seu codinome
e que perdeu
a razão.

A flecha é soberana,
manda e
desmanda
no coração.

A estrela é solitária,
vive a
divertir
o tabelião.

A flecha machuca por fora.
Num movimento rude,
transforma coronárias
em sangue.

A estrela machuca por dentro.
Assola veias e artérias e
nervos sem derramar
uma gota sequer.

A flecha não depende da estrela para agir.
Por si mesma invade espaço alheio -
assalta terços, princípios, máculas
- a machucar.

A estrela depende da flecha para brilhar.
Por si só não consegue arrogar-se
afável, quista, querida e desejada
para cotejar.

A flecha e a estrela interagem.
A reinar no céu de paixões,
a estrela sorrateiramente sucumbe
e dá azo à devassidão da flecha.

Quisera alguém existir somente estrelas,
mas sempre haverá flechas,
implacáveis e desumanas,
dispostas ao nosso alento desanimar.

Então, de nada adiantará cultivar somente estrelas,
lânguidas e vulneráveis, porque
as flechas se impõem, humilham
nosso capricho de amar e de ser amado.

Temos que cultivá-las, certamente,
hoje e para todo sempre,
mas temos também que combater as flechas,
essas mesmas, acostumadas a machucar.

Lutar e lutar e lutar contra flechas
é mais que necessário a todos aqueles
que desejam manter suas estrelas brilhando;
é uma ordem, categórica.

Porque quanto mais alvos as flechas acertarem,
menos estrelas no céu, tão lindo e belo
que seria injusto e muito triste não mais existir,
todos os dias, dentro do nosso coração.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

O Pequeno Príncipe, Antoine de Saint-Exupéry

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

Desalento

Às vezes estamos assim mesmo
imersos em caducidade crônica
insinuante de passado bem vivido
profeta de futuro desmantelado

chorando mágoas imaginárias
de causas que pereceram
no limbo do esquecimento
e que não voltam mais

ficam pra trás, por bem
e não voltam, não voltam
para nós, que ficamos
com o retrocesso

de restar onde se ficou
inteiramente esgotados
imobilizados por pernas e
braços e órgãos e tendões

inertes em querer se mover
para poder repetidamente
amar e amar e amar
até o desalento eterno

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Modinha (de Tom Jobim), na voz de Olívia Bryngton

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

Carinho

Vai-te afago
e nua, e crua
pela rua de carícias
a rodar

Vai-te pesos, e dores
e medidas,
por nuvens cósmicas
a voar

Vai-te chão, e medos
que nessas mãos
quiçá a alma
encostarás

Vai-te antes
que vamos
depois
todos nós

desatar os nós
que atam

essas mãos
que afagam

Rodrigo Sluminsky




+++ Etecetera

A Really Good Cloak, Mark Isham

domingo, 10 de dezembro de 2006

Fantasia

Chega o fim de tarde
e ele vem, como quem
passeia na passarela
das personalidades

e vem de longe, do fundo
sem explicar o porquê
não diz onde esteve
mas permanece

sentado à beira da realidade
conversa com a verdade
flerta com a ilusão
e decide enviasado

agir, definitivamente
mas sem titubear
e deixar claro que
é maduro suficiente

para manter na mente
aquilo que é
e o que pretende ser
se um diz crescer

mas quando emerge
lembra que é apenas
um pensamento bobo
nômade e inseguro

acaba por se expressar
da forma mais nociva
à perpetuação da espécie
:a não expressão!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Just the way you are, Barry White

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

Efêmero

Chove, não molha.
Chove, não molha.
Molha, e seca rápido.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Poema Sujo (1976), Ferreira Gullar

segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Tratado sobre a Verdade

Quero logo ouví-la!
Diga-me logo a verdade
sem meias-palavras
sem maçada, sem firula.

Quero tudo o que pensa!
Se é que não pensa em
contar tudo só depois de
veiculado na imprensa.

Nem sei o quanto é difícil
para você e para muitos
utilizarem-se da verdade
para destoar de moribundos.

Nem sei se bem sabem
distinguir a verdade,
de mentir à vida ou de ser
infiel à sinceridade.

Pois lhes digo eu:
a verdade só não é mentira
quando dita por intermédio
do olhar que transmitira

:a verdade, que inexistira,
quando em quaisquer momentos
algum tipo de mentira
burlasse sentimentos

:torna-se mentira,
ainda que sincera
porque omitira
alguma quimera.

A verdade nasce
para ser sempre verdade,
e quando não mais o é,
a verdade morre

e dá lugar não mais
à qualidade de ser,
mas à triste possibilidade
de não mais ser,

como assim não é
:a mentira
ainda que necessária,
como a que transvestira,

com a falsidade
de seus gestos,
e a inverdade
de seus beijos.

A mentira será sempre
uma coleção de objetos
de não-ser, ainda que seja
quase que totalmente verdade.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

A vida como ela é..., Nelson Rodrigues

quinta-feira, 2 de novembro de 2006

Tamanho do (seu) Amor

Você passa anos
vivendo e coletando
bons momentos
:experimentando

Inimagináveis situações
que agora carecem
de explicações
:aborrecimento

Mas você cresceu
destituiu-se de aforismos
incrementou o amor
encheu-se de altruísmos

que o tornaram
:você
uma alma singular
dentre milhares

E quem mais deterá
a prerrogativa
de determinar
o tamanho do seu amor?

Senão exatamente você,
aquele mesmo ser
especialmente invulgar
simplesmente apaixonante

E para que mensurar
quanto de amor tem
se o amor
não acaba nunca?

Será que determinar
agora ou para sempre
os amados de angariar
o seu amor

não significaria
furtar os não amados
de um momento receber
o mesmo amor?

Será aprazado dizer
que é certo amar
isto e não amar
aquilo?

Você bem sabe
que muito aprendeu;
parecerá
que esqueceu

se não distribuir
espontaneamente
sua reserva aleatória
de amor

:explodirá
imediatamente
numa distribuição compulsória
do seu amor.


Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

For your babies, Simply Red


segunda-feira, 30 de outubro de 2006

Novo de novo!

Quase que do tamanho do universo
está seu coração quando imerso
na infinita capacidade de lutar
contra a infinita vontade de amar;

quase que da cor das violetas,

delineando inúmeras facetas,
estão suas tristes e arredondadas pálbebras,
fatigadas de derramar tantas e tantas lágrimas;

e quase que totalmente consumidas

estão suas veias e artérias, cálidas
de sangue, ardor, loucura e movimento
prontas para o novo e tão esperado momento.

Por que não, então, escorraçar o quase,
que estava fadado a ser inteiro, para
arquitetar algo que não a separa
da chance de inaugurar uma nova fase?

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Free Hugs

All the Same, Sick Puppies

terça-feira, 24 de outubro de 2006

Efêmera contemplação quotidiana

Uma árvore nua
à espera do sol
dos pássaros, da água
da lua

cercada de homens
mulheres e crianças
cheios de esperanças
carentes que são

de um sentimento puro
semblante da paz
do bonito, inverso
do escuro

que apavora homens
mulheres e crianças
e suas lembranças
com a sombra se vão

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley

domingo, 15 de outubro de 2006

Eu meio Você

Eu
Tu
Nós
de novo

Eu
Ele, Ela
Novo
de novo

Eu
comigo
fim

Eu
contigo
meio

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Life's a beach, Touch and Go

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Quero que...

Quero que você esqueça
aquelas palavras doces
que ficaram na sua mente
por receio

Quero que você venha
até onde estarei
e siga meus passos
na areia

Quero que me ame
sem a velha prudência
que entedia
nosso romance

Quero que me possua
me maltrate
com esse corpo
que eu sempre quis

Quero que lute
contra tudo e
contra todos
por mim

Quero que escravize
meus sentimentos
de caridade e
minha gentileza

Quero de você
um ódio descomunal
uma mistura de ira
e pena

Quero que você difame
minhas virtudes
e apodreça
a sensação póstuma

Quero que você seja
minha prostituta
e me encante
por dinheiro

Quero de você
um não-amor
uma ausência completa
de sentimento

Quero que usurpe minhas idéias
e me diga, sem lágrimas,
que tudo o que fez
foi por amor.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Doce Ilusão

Todo o fim
determinado
acaba
barrado

pelos hipócritas
de plantão.

Aquilo
que sonhava
vira
miragem

de uma viagem
que acabou.

Se ainda pensa
em viver
fora
da gaiola,

despeça-se
das asas
seu lugar
é no chão.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

Iconoclasta

De todas as maneiras
você tenta explicar
a intragável sensação
que já não resta mais.

Se esconde a verdade
ou é fiel à sinceridade,
qual canto da emoção
deixará mais saudades?

Além do mais, quem se importa
com a importância
que coisas do coração
têm para as pessoas?

Mais vale dilapidar a alma,
por completo e sem deixar
suspiros, para que não haja
resquício de contemplação.

Porque se é para suspirar,
de paixão ou não, que o faça
longe de coisas do coração,
para restar incólume.

Só não entendo
se você não soube
explicar
algo tão simples,

ou se a simplicidade,
iconoclasta,
é penosa demais
para algumas pessoas.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Painter song, Norah Jones

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Errante

Nem tanto o céu, nem tanto a terra.
Um pouco de carinho no coração,
um pouco de vida na emoção.

Pulando obstáculos,
contando carneirinhos.

Ao lado da dor, o destemor
de ser um efêmero vencedor.
Perto do mar, um colchão enorme
de beijos e lágrimas de amar.

Se quando chegar,

não temos a mínima idéia,
mas se quando não chegar,
mudamos de lugar!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

A mais bonita, Bebel Gilberto & Chico Buarque

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Idem

Vai lá você
de novo à mercê
daquilo que não vê
mas que deve esquecer

da porreta alegria
que vira fantasia
mais ou menos dia
quando não compreendia

porque chega de emoção
voltou o tempo da tensão
angústia no coração
silêncio na multidão

e não me venha com saudade
sentimento efêmero e sem idade
abandone logo essa cidade
amanhã é dia de maldade

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Acontece, Cartola

Mais um na multidão, Erasmo Carlos e Marisa Monte

domingo, 6 de agosto de 2006

Desnecessário (melhor não!)

Ainda que te diga,
que passe horas a fio
explicando o sublime,
como entenderás?

Ainda que entendas,
querida, mesmo que
saibas minha contemplação,
de que modo respeitarás?

E ainda que respeites
e entendas o motivo
da minha razão,
razão do meu viver,

mesmo que saibas
em minúcias o que
hei de contar,
por que diachos escutar?

Tu és dona de ti,
dona da passarela.
Fazes o que sabes melhor
- e sabes muito.

Sei que há um porquê
por detrás dessa tua
dúvida fulgás,

mas não me peças para te dizer
o que não queres ouvir
ou não tens como suportar.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera


O amante, Marguerite Duras.

sábado, 29 de julho de 2006

Cores, corações e colorações

Amo preto e
branco e

Vermelho
Laranja
Amarelo
Verde
Azul
Anil

Preto, amarelo,
branco, marrom.

Preto no escuro
branco no gelo,

margaridas e

violetas
contra rosas.


Vermelho no
amor, no ardor,

dor no temor,
no preto do
não branco,
da paz.

Como laranja

cheiro rosa.
Luto branco
acabo roxo.
Quero verde
vira cinza.

Sou azul,
de céu
e mar,

translúcido nas
lágrimas
de amar,


mas tem dias
que amarelo
mesmo.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Aquarela, Toquinho

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Amada Minha

Que saudade dos dias, da aurora,
dos beijos apaixonados de outrora,
do carinho recíproco, demora
na passagem do tempo, lá fora.

Que vontade de ter, senhora,
o amor que não têm, embora
todos queiram a toda hora,
viver o que é de agora.

Que faço se você ignora
a dor que sufoca, e implora
se a saudade cessar, melhora
mas sei que ainda me adora.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

The Royal Tenebaums (EUA, 2001)
Direção: Wes Anderson
Elenco: Gene Hackman, Anjelica Huston, Gwyneth Paltrow, Ben Stiller, Luke Wilson, Owen Wilson, Danny Glover, Bill Murray, Alec Baldwin (voice)

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Angústia

Quem se apodera
amiúde dos meus sensos
que nem com lenços
obsta a quimera?

O que persiste
na mente insana
que nem a gana
nela desiste?

Por que temer
sentido novo
que por estorvo
nos faz tremer?

Quem é você,
que se apodera,
amiúde dos meus terços,
que nem quimera?

O que me chama
e que insiste
na mente insana
e não desiste?

Por que correr
desse estorvo
que nem com lenços
posso esconder?

Quem é você
Por que me quer
O que te fiz

Por que me diz
mal-me-quer
Quem é você?


Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

I Know, Jude

Angústia, Graciliamos Ramos

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Desmazelo

Desmazelo quer dizer
falta de zelo
por tudo que deveria
ser zelado.

Para ser desgosto
precisa não sentir o gosto
do que não tem porque
ser gelado.

Para ser desagrado
tem que ser rude
na falta de
cuidado.

Para ser desleixo
há de ser
negligente
com o bem amado.

Para ser displicente
precisa querer
ser também indiferente
ou desinteressado.

Na verdade é um total
descontentamento,
uma mistura de omissão
com falta de perdão,

de dissabor
com falta de amor,
que pelo meu léxico
significam a mesma coisa.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Sem contenção, Bebel Gilberto

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Andarilho

O mesmo passo:
errante,
contíguo,
delirante,

que ruma desvirtuado,
de face monocromática,
porém sem nunca mais
voltar atrás.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Mariana, Yamandú Costa

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Diálogo dos Anjos

- Bom dia - disse o Senhor da barba rala e olhar enviesado.

Percebi dele certa angústia no ar, própria das pessoas sem situação definida. Quis perguntar-lhe certas coisas, porém receoso não o fiz. Parecia-me estranho um senhor daquela idade com tamanha insegurança pessoal, ao mesmo aparente.

- Bom dia, Senhor - disse-lhe num instante especialmente impróprio, quando minhas palavras misturavam-se a pensamentos incautos e despropositados. Nesse momento um bom percentual de acontecimentos rodeavam a lembrança de minha pouca experiência mundana, quiçá mais que pudesse suportar. Quem dirá sobre as fantasias daquele senhor, aparentando a mais sincera humildade por mim já admirada, depois de já atrofiadas as prepotências terrenas provenientes de anseios indecorosos e posses imbecis. Deve ser mesmo na velhice que percebemos os porquês de tanta frustração pessoal no mundo, embora pareça-me perfeitamente compreensível não percebê-los antes. Somos constantemente bombardeados por informações inúteis e desprovidas de caráter epistemológico suficiente à sobrevivência mental de um herege. Desideratos são transformados em devaneios contra nossa vontade, e com o passar do tempo os devaneios acabam se tornando sonhos de adolescentes e pensamentos de viúvas e memórias de cárceres e ilusões de tetraplégicos e ironias de milionários. Em um momento determinado, não sei quando, mas acho que na velhice saberei, nesse exato momento saberemos plenamente os motivos pelos quais alguns fatos nos tornaram menos virtuosos, saberemos o dia em que pecamos de modo mais irreversível.

- Meu jovem, eu não devia estar falando com você, agora. Falar com uma pessoa deveria ser materialmente impossível. Sou algo que não se define, se é que sou alguma coisa. Eu deveria estar morto, decapitado, deserdado de meu corpo, e assim despido de princípios, de idéias putrificadas há anos pela realidade a que nos submetemos, rodeados de verdades, se é que somos vistos aqui por baixo e se, por ventura, há mesmo verdades nessa realidade insípida.

Devo confessar que meus ânimos debandaram e senti uma certa tranqüilidade nas mansas palavras daquele senhor de olhos aprofundados pelo tempo. De certo modo concordei com os pontos que pude compreender em sua pequena oratória surreal - senão perfeitamente consciente e deveras inteligível ao menos de uma devoção maravilhosa.

- O Senhor me desculpe pela desfaçatez, mas o tino censura minha liberdade e sinaliza minha partida, pois não é muito seguro conversar com estranhos!

Nesse momento agradeci-lhe os cumprimentos, acelerei os passos e arrefeci toda a curiosidade a que fui submetido pelo meu inconsciente. Não hesitei um momento sequer em dizer adeus àquele senhor, porém a redenção de não perguntar-lhe os porquês que ele guardava no coração levará uma vida inteira para se concretizar.

Rodrigo Sluminsky

domingo, 4 de junho de 2006

Homônimos

Homônimo de mim,
sou quem nunca fui
e amo a conveniência,
que me desatina.

Se quisesse explicar,
fá-lo-ia em prosa,
porque poesia
é dona de mim.

Pedras no lago
de um mundo avoado;
pensamentos em ebulição.

Palavras na mente
de uma cabeça doente;
sem solução.

Tudo para dizer
o indizível
:meu coração chora!

Rodrigo morreu;
sobrou Francisco,
que sou eu,
quando não Rodrigo.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Lenços de papel.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

Plágio

(...)

Tem certos dias
em que eu penso
em minha vida,

e sinto assim
todo meu mundo
desabar.

É que parece
que acontece
de repente,

viver assim
ser ter um fim
e nem amar.

Igual a como
quando eu penso
em meu mundo,

sem ninguém,
sem ser alguém
pra se notar.

Aí me dá
uma inveja
de ser gente,

gente amada
que sempre tem
com quem contar.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Gente Humilde, Chico Buarque

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Homônimos (short version)

Homônimos (short version)

Rodrigo morreu;
sobrou Francisco,
que sou eu,
quando não Rodrigo.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

O homem que copiava
Brasil, 2003.
Direção e Roteiro: Jorge Furtado
Elenco: Lázaro Ramos, Leandra Leal, Pedro Cardoso e Luana Piovani.

domingo, 21 de maio de 2006

Memórias

Todo o conhecimento do mundo
é insuficiente para expressar
o conjunto dos nossos juízos
perante as verdades do universo.

Somos deuses transvestidos de titãs,
lutando pela causa errada,
esbravejando princípios antiquados,
em lugares que não nos pertencem.

Concomitante somos formigas arrogantes,
instigando dúvidas vulgares,
respondendo questões elementares,
em seara que não nos convém.

Matutos que somos, porém,
vemos o fim do túnel
com uma condescendência
que surpreende até profetas.


Só que à frente o incerto predomina.
A casualidade nos faz desdenhar
valores incomensuráveis
outrora para nós imutáveis.

Muito mais precoces
que noticiam.
Muito mais patéticos
que parecemos.

E no sagrado ínterim, quando temos escolhas,
parecemos preferir os círculos aristocráticos
das amizades redundantes
ao invés de verdadeiras tertúlias dipsomaníacas,

que de tanto instigar-nos ao suicídio
de renunciar princípios inalienáveis,
faz-nos preferir trocar de amigos
a deixar o coração sobreviver.

Pasmem, a unidade nos engrandece,
transforma-nos em ícones de um tempo,
que foi sem mesmo a gente notar,

e que nos unirá sem a gente querer.

Resta que depois dos píncaros da fadiga
há um mar de lágrimas contingente,
para o qual nem nós sabemos
se o dia acontecerá novamente.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Vinícius, 2005
Documentário sobre Vinícius de Moraes
Direção: Miguel Faria Jr.
Roteiro: Miguel Faria Jr. e Diana Vasconcellos, com colaboração de Eucanaã Ferraz
Produção: Miguel Faria Jr. e Susana Moraes
Música: Luís Cláudio Ramos

quarta-feira, 26 de abril de 2006

O Poeta e o Amor

Poesia,
escrita por poeta
lida por poetisa
sentida por profeta,

que faz juras de amor,
antes mesmo de tê-la sentido,
e na poema lido
prevê a famigerada dor.

Je t'aime, je ne t'aime pas,
who cares?

Amor é qualquer coisa do destino,
presente, passado,
e não precisa de decassílabo
para ser;

materialmente
inteligível,
porém intangível
para nele viver.

Dar-mo-ias?
Poesia, amo;
Amor,
nem tanto!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Autopsicografia, Fernando Pessoa.

Castro Alves do Brasil, Pablo Neruda.

sexta-feira, 21 de abril de 2006

Relógio

As coisas são
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão

Oswald de Andrade



+++ Etecetera

Releituras de Oswald de Andrade

Manifesto Antropofágico (1928)

segunda-feira, 27 de março de 2006

Ser Humano

Sou distinto,
leve, esquisito,
de pensar efêmero,
humor passageiro.

Eu sou não o que quero,
deveras o que penso;
sou o que sou,
não o que devia sê-lo.

Não sou comum,
embora devesse;
não sou regular,
embora quisesse.

Sou cara de idéias emprestadas,
de princípios misturados,
analizados, renovados,
de padrão singular.

Minha distinção
não está na nobreza,
mas na beleza
do coração.

Meu descaso
não é com a luxúria,
mas com a ternura
em escassez.

Por isso,
choro sem lágrimas,
sorrio sem lábios,
beijo sem língua.

E não sou assim porque quero,
eu sou, e não há nada
que o mundo possa fazer
para mudar-me.

Na verdade,
o mundo é que devia
ser mudado
por mim.


Mas o problema do meu agir
é o descomunal anseio
de tornar o comum
incomum,

a vontade incessante
de fazer coisas simples
da maneira mais complicada
possível.

Isso sim é distinção,
não aquilo
que dizem
na televisão,

não aquilo que ouço
nos bares
lá da cidade
:fundo do poço!

Diferente de igual,
diverso da mesmice,
dissemelhante
dos nossos semelhantes.

Quais razões então
nos permitem destoar?
Quem tem culpa em não
nos deixar amar?

Há respostas
para muitas perguntas,
mas para essas
não há resposta alguma.

Ser humano não é simples,
olhar, tocar, sentir,
mas quem busca a simplicidade
nesta terra de gigantes?

Ao menos
continuarei sendo
a cortesia
que penso ter,

um duplo ser guardado,
como diria o Poeta,
por trás do qual
a flor nativa roça.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Programa Ensaio Tv Cultura - Elis Regina Mpb Especial (1973)

O bêbado e o equilibrista (João Bosco), na voz de Elis Regina

quarta-feira, 15 de março de 2006

Inconsciente

Sou duro:
desmistificado pela dor,
não musicalizado em dramas,
arrogante, crasso.

Nasci em berço farpado
e não percebo lágrimas!

Quis de mim o que
nem pensei;
fiz o que
não devia.

E vivo em farpas,
precursoras de tais lágrimas,
que quando caem
viram música em meu coração.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Inconsciência, por Sigmund Freud (1856-1939): conjunto de processos e factos psíquicos que são exteriores ao âmbito da consciência e impossíveis de trazer à memória, mas que podem manifestar-se nos sonhos, em estados depressivos e neuróticos, ou seja, em geral, quando a consciência não está desperta.

Reportagem: A influência de Freud na cultura brasileira

sexta-feira, 10 de março de 2006

Hinocência

Escrevo no caderninho
as palavras que não possuo
e deixo no escaninho
o amor que não conduzo.

O cheiro de mato,
o pasto aquém do portão,
fazem-me gaiato
das coisas do coração.

E se disso me desfaço
- cancioneiro em disparada -
sei que o que traço
não me levam de volta à estrada!

Rodrigo Sluminsky



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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Imaginário

Por todos os motivos
que levei anos
para pensá-los

Por todos os fatos
que me deixaram uma vida inteira
sem vivë-los

Por todas as razões
que censuram
minha autonomia

Eu continuarei sendo
aquele que nunca foi
de verdade.

Rodrigo Sluminsky



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Vida e Obra de Jacques Lacan

Take Five, George Benson