terça-feira, 27 de novembro de 2007

Saudades

Há saudades em pensar e imaginar
Saudades nos braços e nas pernas
Saudades no peito, que dói demais
Uma falta que não se bem sente
Sentimento torto e desentranhado
Das rodas cálidas da vivência
Há saudades nas coisas de pegar
Coisas de armário e de gavetas
Imensas de saudades de existir
Saudades do pedaço torto do corpo
Exaspero da imperfeição singular
E tu sabes que há saudades
Ainda que não saibas da mensagem
Triste fim temos nós, eu e tu
Duas metades inteiras de saudades
Um par de asas separado pelo vento
Sem desfiladeiro para propalar
Nosso amor amargurado pelo ar...

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Ah, um Soneto, Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Manumissão

I

Sobressaltos regulares
não cabiam mais nos
lugares predispostos.
O semblante rubro da
insônia companheira,
o tremelicar das pernas.
Tudo convergindo para
o estrondo:
implosão particular do
espectro descontrolado.


II

O bafejo da memória
impulsiona a avantesma
do cerceamento
para além do precipício.
Na terra sem limites
voar fora da asa
não é privilégio
do Poeta.
O estrépito é ouvido
por todo o universo!


III

A escabiosa arrefecida
por tensos devaneios
revolucionários...
Não há mar, não há céu!
Todos os velhos conceitos
foram agora refeitos.
O novo deprime
o vício:
anteparo natural da
manumissão do espírito.


IV

De volta à mansarda
nada seria como antes,
nem miséria ou angústia;
subtileza nas veias e um
âmago todo preenchido
de anarquia.
Eterna contemplação e
nenhum carrasco para impedir
o sorriso desta espécie,
insubordinada por natureza.

Rodrigo Sluminsky

+++ Etecetera
"[...]
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa... [...]"

Trecho de "Liberdade", poema de Fernando Pessoa

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O Gelo

Vamos explicar como é que nasce o gelo.
Depois de tampar o sol com uma peneira,
Use panos quentes para o rosto encobrir.
Logo depois, coloque um pouco de água fria
Assim mesmo, no imperativo, sem pena.
Aos poucos o silêncio se torna constrangedor.
Toque com um alfinete os calos e feridas
E espere o tempo que for para que sinta dor.
Quando perceber pedras d'água sobrepostas
Descarte a parte transparente do invólucro
E triture e pequenos pedaços o que restou.
Olhe rapidamente para todos à sua volta e
Sinta na pele a frieza inexorável do desamor.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Inoportuna, Jorge Drexler
Álbum: 12 segundos de oscuridad (2006)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Plenitude

o balançar ritmado do cachaço
determina nossa condição
imóvel, nosso corpo bamboleia
olhos fechados, respiração profusa
um terno fausto particular
em depravação latente
na íntima doçura de ser
onde sons denotam sinfonias
somos agora a própria natureza
um retrato tirado da parede
entregue novamente à realidade.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Season in the sun, Cat Steven