terça-feira, 25 de maio de 2004

O amor acaba

Não obstante toda insalubridade, o coração sobrevive à miséria. Anda pelos becos, afugentado, à procura de abrigo. Chega a cantar "Singing in the rain" sem guarda-chuva, absurdo para o cinema clássico. Aos prantos, imita Charles Chaplin a proteger a vida do bebê indefeso.
O ódio torna-se refém da ternura ao perceber que, mesmo desamparado, pode estar melhor acompanhado consigo mesmo. Sente frio. O Sangue, outrora vermelho-sangue, refrigera-se ao azul-escuro. Seus dezenove centímetros de altura não passam agora de quinze de largura. Manchas púrpuras rodeiam suas extremidades.
Foi então que percebe o perigo. Corre desesperadamente. Pula duas ou três cercas, deita-se. O silêncio é interrompido, subitamente. Gritos de escárnio. O coração, afugentado, recomeça sua fuga desnorteada. Pula no lago recém congelado. Aquela noite de outono trouxera os píncaros da saudade. Imerge! Nessa hora o coração já está gelado, intransponível. Sente calafrios, medos, sensações de indiferença. Desfalece, rumo à nulidade, naquela triste noite de outono!
E por incrível que pareça, descobrira a passagem que Peter Pan utilizara para arraigar a magia. Digo incrível justamente por não ter sido ajudado pelas coronárias. Coração valente! E também, quando menos percebe, retoma sua temperatura habitual de verão, ainda naquela triste noite de outono. A coragem apareçe aos poucos, e a força para sustentar tanta vida é praticamente ressucitada!
Passado o inverno, naquela feliz tarde de primavera, resolve voltar àquele mesmo lago, cujas águas não mais dispesavam temor. Umedece a ponta do dedo do pé esquerdo e nota certa simpatia no beija-flor ao lado. O resultado não poderia ser outro: olha para o lado e o ódio, que havia esperado uma estação inteira para agir, desfere três projéteis de calibre razoáveis no coração do coração, incapazes de fazer resultar em casamento.
E, como estava dizendo, o problema não é a miséria, é a ignorância!

Rodrigo Sluminsky





+++ Etecetera

O amor acaba, Paulo Mendes Campos

Brisa do Mar, Chico Buarque

domingo, 16 de maio de 2004

Lágrimas de sangue

Durante muito tempo temos a sensação de estarmos protegidos das coisas do mundo. Quando crianças, temos sempre aquele amor fraterno de nossos pais. Jovens e rebeldes, vemos nas novas descobertas a proteção necessária para a sobrevivência social. A partir do momento em que percebemos a fragilidade de nossas convicções e conquistas, agarramo-nos em uma consciência intelectual única e individual, com padrões moralmente definidos, para continuarmos a proteção e à proteção do mundo.
Desvinculados dessa segurança retilínea defendida pela cultura ocidental, tudo que apregoa-se evapora ao descaso e à falta de sensibilidade alheia. O resultado é preemente e avassalador, dentro daquele prognóstico ético(1) de vida: se não sofrer uma aborto, o feto garante sua possibilidade de chorar, ao menos, pois ainda corre o risco de ser jogado em uma lata de lixo qualquer; e muito embora sua mãe resista à pressão sócio-econômica-cultural de prezar pela vida da criança e por sua sanidade mental, não há expectativa nenhuma de "crescimento sustentável"(2) diante das possibilidades necessárias; ora pois, ir ou não à escola é somente a décima das necessidades urgentes destas crianças; e muito embora ela aprenda a soletrar H-O-L-O-C-A-U-S-T-O, suas garantias de sobrevivência ficaram a tempos nas mãos de pessoas desconhecidas; e, ainda assim, passados os tempos de aflição física, juro por Deus, nada no mundo restará normal e com plenas faculdades mentais.
Na prática, o que resta é um punhado de gente lutando por coisas inexistentes, sem o mínimo de padrão ético, com nenhum objetivo filantrópico, à deriva da realidade social mundial, isenta de culhões filosóficos, e alegres em poder, no final do dia, comer um Mcdonald's com uma Coca-Cola Light.
Ladies end Gentlemen, have fun with Dr. Mr. Bush:

http://uhpdistro.webcindario.com/tortura%20irak.htm

(1) A Ética Protestante vs Ética à Nicômano
(2) Em homenagem ao crescimento econômico sustentável no mundo!



+++ Etecetera

www.un.org/terrorism

www.global.org.br