Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de janeiro, 2006

A vida pelos olhos de quem (não) a vê

Cego eu nasci, chorando alto de madrugada depois de uma longa apartada com minha mãe toda escancarada; nasci sem saber nada desse mundo novo, sem conhecer as pessoas que me acolheriam, sem pronunciar uma só palavra de carinho, sem cabelos, sem cor, sem tato, sem poder distinguir uma pétala de rosa de um dente de alho, sem chorar por amor, sem conhecer a dor, sem pudor, ardor, temor; nasci sem mãe, sem pai, sem irmãos, sem escrúpulos de não enxergar o que não via à minha frente, sem coragem de enfrentar tudo que se passava pela minha mente. Jovem eu cresci, olhando tudo nas estradas andando torto pelas escadas beijando todas as namoradas; cresci sem saber que era órfão, sem estudo, sem religião, sem comida na boca, sem educação, sem rede para caçar borboletas, sem vara para pescar palombetas; cresci sem ódio no coração, sem anseio de vingar quem vivia de compaixão, sem capricho para matar minha constante comichão. Vidente eu morri, depois de uma noitada chorando por minha amada com minh...

Sinceridade de um ébrio amor

Amo tudo que meu coração aponta. Às vezes derradeiro amor, outrora infindável ardor, tanto quanto efêmero ou até imortal! Amo aquele cheiro de bosta que fica nos pastos verdes da fazenda, Amo a sinceridade do seu olhar, ditador da paz que me acalenta, Amo um abraço caloroso de amigo fiel; amo a fidelidade da amizade calorosa. Amo tudo aquilo que me transforma: o seu beijo, o seu tato, o humor, asco. Amo até aquela ruga, primogênita da silueta... Amo a infância que vivi, amo a infância que vivem, em cada nobre sorriso infantil de criança ingênua. Na verdade, amo tanta coisa que já nem sei mesmo se tudo isso que sinto é amor... Porém, qual problema maior me trariam, se já nem mais me encontram? Rodrigo Sluminsky +++ Etecetera http://www.jazzandblues.org/listen/

Resíduos

De tudo ficou um pouco. Do meu medo. Do teu asco. Dos gritos gagos. Da rosa ficou um pouco. Ficou um pouco de luz captada no chapéu. Nos olhos do rufião de ternura ficou um pouco (muito pouco). Pouco ficou deste pó de que teu branco sapato s e cobriu. Ficaram poucas roupas, poucos véus rotos pouco, pouco, muito pouco. Mas de tudo fica um pouco. Da ponte bombardeada, de duas folhas de grama, do maço― vazio ― de cigarros, ficou um pouco. Pois de tudo fica um pouco. Fica um pouco de teu queixo no queixo de tua filha. De teu áspero silêncio um pouco ficou, um pouco nos muros zangados, nas folhas, mudas, que sobem. Ficou um pouco de tudo no pires de porcelana, dragão partido, flor branca, ficou um pouco de ruga na vossa testa, retrato. Se de tudo fica um pouco, mas por que não ficaria um pouco de mim? no trem que leva ao norte, no barco, nos anúncios de jornal, um pouco de mim em Londres, um pouco de mim algures? na consoante? no poço? Um pouco fica oscilando na embocadura dos rios e os pei...