quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

A vida pelos olhos de quem (não) a vê

Cego eu nasci,
chorando alto de madrugada
depois de uma longa apartada
com minha mãe toda escancarada;

nasci sem saber nada desse mundo novo,
sem conhecer as pessoas que me acolheriam,
sem pronunciar uma só palavra de carinho,
sem cabelos, sem cor, sem tato,

sem poder distinguir uma pétala de rosa
de um dente de alho,
sem chorar por amor, sem conhecer a dor,
sem pudor, ardor, temor;

nasci sem mãe, sem pai, sem irmãos,
sem escrúpulos de não enxergar
o que não via à minha frente,
sem coragem de enfrentar
tudo que se passava pela minha mente.

Jovem eu cresci,
olhando tudo nas estradas
andando torto pelas escadas
beijando todas as namoradas;

cresci sem saber que era órfão,
sem estudo, sem religião,
sem comida na boca,
sem educação,

sem rede
para caçar borboletas,
sem vara
para pescar palombetas;

cresci sem ódio no coração,
sem anseio de vingar
quem vivia de compaixão,
sem capricho para matar
minha constante comichão.

Vidente eu morri,
depois de uma noitada
chorando por minha amada
com minha vida arruinada;

morri ciente de tudo e de todos,
sem acolher as pessoas que me conheciam,
sem estudo, sem religião,
sem cabelos, sem cor, sem tato, sem audição,

sem vontade
de contar histórias,
sem platéia
que as aplaudisse;

morri sabendo tudo perfeitamente,
lastimando amores não vividos
e amigos não ouvidos,
mas vendo tudo muito mais que claramente.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

http://www.lol.pro.br/

Um comentário:

Anônimo disse...

Kiko, Kiko...

sempre com uma poesia recomfortante.. não sabia que você tinha o endereço do meu blog, mas saiba que ler o seu me incentivou a montar o meu...

abração cara e avise quando rolar alguma festinha, afinal a vida é a arte do encontro, apesar de haver tanto desencontro nesta vida!!