Cego eu nasci, chorando alto de madrugada depois de uma longa apartada com minha mãe toda escancarada; nasci sem saber nada desse mundo novo, sem conhecer as pessoas que me acolheriam, sem pronunciar uma só palavra de carinho, sem cabelos, sem cor, sem tato, sem poder distinguir uma pétala de rosa de um dente de alho, sem chorar por amor, sem conhecer a dor, sem pudor, ardor, temor; nasci sem mãe, sem pai, sem irmãos, sem escrúpulos de não enxergar o que não via à minha frente, sem coragem de enfrentar tudo que se passava pela minha mente. Jovem eu cresci, olhando tudo nas estradas andando torto pelas escadas beijando todas as namoradas; cresci sem saber que era órfão, sem estudo, sem religião, sem comida na boca, sem educação, sem rede para caçar borboletas, sem vara para pescar palombetas; cresci sem ódio no coração, sem anseio de vingar quem vivia de compaixão, sem capricho para matar minha constante comichão. Vidente eu morri, depois de uma noitada chorando por minha amada com minh...