quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

Então, dia sem sentido hoje. As pessoas têm costume de dar o nome aos bois. Chamam de crise existencial, estresse, má-disposição, frescura, sei lá. Não tenho certeza do que está faltando para reverter esse quadro sádico e depressivo. Normalmente buscaria as inferências no cerne das maravilhas etílicas, mas nem isso minimiza o tédio.
Aproveitarei, então, para representar o Filósofo nas nossas mentes. Nada de comentários taratológicos ou pragmáticos acerca do ceticismo e da descrença de Schopenhauer, mesmo porque a época é de construir bases sólidas de sustenção - moral, social, psíquica, et coetera. A desconstrução de valores deixarei para Denys Arcand(+++ Etecetera) na divagação de hoje. Não se trata de ausência de vontade - no próprio sentido do inconsciente pregado pelo Filósofo -, mas de pura desarmonia entre as sinapses.


Arthur Schopenhauer

Schopenhauer & origens>>> Arthur Schopenhauer , filho de um rico comerciante, nasceu em 22 de fevereiro de 1788, em Dantzig, na Prússia, donde saiu em 1793, quando esta cidade foi anexada à Polônia, instalando-se em Hamburgo. A vida em família era deplorável. No tempo em que freqüentou o salão de sua mãe, tornou-se amigo de Goethe (1749-1832), o qual reconhecia seu gênio filosófico e o incentivou a desenvolver uma teoria antinewtonia da visão (obra: "Sobre a Visão e as Cores", publicado em 1816).

Schopenhauer, Kant, Platão>>> Aos 21 anos, ingressou na Universidade de Göttingen cursando incialmente medicina e transferiu-se depois para filosofia, concentrando-se em Platão, Aristóteles e Immanuel Kant.
Estudou também na Universidade de Berlim, mas defendeu seu doutorado na Universidade de Jena (obra: "Sobre a quádrupla raiz do princípio da razão suficiente").
Com o aprendizado Hindu, Schopenhauer passou a acreditar que juntamente com as filosofias de Platão e Kant, as doutrinas indianas constituiam o alicerce para construir uma sólida filosofia de representação (obra: "O mundo como Vontade e como Representação", publicada em Leipzig, em 1818).

"O que um indivíduo pode ser para o outro, não significa grande coisa, no fim cada qual acaba só. Ser feliz, diz Aristóteles, é bastar-se a si mesmo."

Schopenhauer vs Hegel>>> Quando em 1822 foi chamado a Berlim como professor, agendou suas aulas no mesmo horário de seu oponente Hegel (1770-1831). Schopenhauer dedica a Hegel e ao seu sistema um ódio intenso. Enquanto toda a Alemanha celebra a filosofia da história de Hegel, o seu método dialéctico, a evolução do espírito através das diferentes épocas e dos povos, a reconciliação da filosofia e da religião cristã, este jovem destemido vê unicamente neste ilustre mestre “um charlatão aborrecido, sem espírito, repugnante, ignorante”, cuja filosofia consiste numa espécie de colossal mistificação.

"(...) uma verborreia totalmente vazia de sentido, um conjunto de disparates tão completo que nunca se viu nada assim, pelo menos enunciado fora do manicómio”.

Schopenhauer, ética et coetera>>> Em 1831, deixou Berlim, fixando-se em Frankfurt-sobre-o-Main, onde passou o resto da vida, dedicado exclusivamente à reflexão filosófica. Decididamente a vida não lhe permitia acalentar ilusões otimistas (obra: Os dois problemas fundamentais da Ética, publicado em 1851).

"(...)toda boa ação totalmente pura, toda ajuda verdadeiramente desinteressada, que, como tal, tem por motivo a necessidade de outrem, é, quando pesquisada até o último fundamento, uma ação misteriosa, uma mística prática, contanto que surja por fim do mesmo conhecimento que constitui a essência de toda mística propriamente dita e não possa ser explicável com verdade de nenhuma outra maneira". (SCHOPENHAUER, 2, p. 221)

Schopenhauer, enfim>>> De todas as suas obras, uma alcançou inesperado sucesso e foi a que mais contribuiu para a disseminação de sua filosofia (obra: Acessórios e Remanescentes, publicado também em 1851). A partir daí, a notoriedade do autor espalhou-se pela Alemanha e depois para a Europa. Na Alemanha, a filosofia de Hegel entrou em declínio e Schopenhauer surgiu como ídolo das novas gerações. Schopenhauer conseguiu, nos últimos anos de sua vida o reconhecimento que sempre buscou. A Universidade de Breslau dedicou cursos à análise de sua obra e a Academia Real de Ciências de Berlim propôs-lhe o título de membro, em 1858, que ele recusou. Dois anos depois, a 21 de setembro de 1860, Arthur Schopenhauer faleceu aos 72 anos de idade, vítima de pneumonia.

"Em geral, os sábios de todos os tempos têm dito sempre o mesmo, e os nécios, isto é, a imensa maioria de todos os tempos, têm também feito e dito sempre o mesmo, e continuará sempre sendo assim. Por isso dizia Voltaire: Nóus laisserons ce monde ci aussi sot et aussi mechant que nous l'avons trouvé en y arrivant."

Schopenhauer & Filosofia da vontade>>> Arthur Schopenhauer é o filósofo da vontade. Ela é o único elemento permanente e invariável do espírito, aquele que lhe dá coerência e unidade, que constitui a essência do homem. A vontade seria o princípio fundamental da natureza, independente da representação, não se submetendo às leis da razão.

"A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta".

O inconsciente apresenta assim, um papel fundamental na filosofia de Schopenhauer. A vontade é, acima de tudo, uma vontade de viver e de viver na máxima plenitude. Ela triunfa da própria morte graças à estratégia da reprodução, que a torna imperecível. Por isso o instinto de reprodução é o mais forte de todos os instintos. A atração sexual é determinada por motivos estranhos ao indivíduo e tem em vista, apenas, assegurar a perpetuação da espécie, nas melhores condições possíveis.
Desde que o mundo é essencialmente vontade, não pode deixar de ser um mundo de sofrimento. A vontade é um índice de necessidade, e como ela é imperecível, continua sempre insatisfeita. A aparente satisfação da vontade conduz ao tédio. A satisfação de um desejo é como a esmola que se dá ao mendigo, só consegue manter-lhe a vida para lhe prolongar a miséria. Por isso mesmo a vontade é um mal e a origem de todos os males.
O conhecimento não nos permite triunfar do mal. Pelo contrário: desenvolve a capacidade de o sentir, aumentando a sensibilidade. O suicídio também não seria a solução, porque a vontade subsistiria sob outra forma, na espécie. A destruição voluntária de uma só existência é um ato inútil e estúpido porque a coisa em si - a espécie, a vida e a vontade em geral - não seria afetada. A solução do problema do mal está no aniquilamento da vontade, na renúncia total. Assim Schopenhauer se aproxima do ideal budista.

"Nada merece nosso esforço, todas as coisas boas são apenas vaidades, o mundo é uma bancarrota e a vida, um mau negócio, que não paga o investimento. Para ser feliz, é preciso ser como as crianças: ignorante."



+++ Etecetera

Les Invasions Barbares/As Invasões Bárbaras
Canadá-França/ 2003 / 99 min / Drama
Direção: Denys Arcand
Elenco: Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Dorothée Berryman, Louise Portal, Dominique Michel, Yves Jacques, Pierre Curzi, Marie-Josée Croze

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