sexta-feira, 5 de novembro de 2004

A Simples Arte de Não-Viver

O mesmo passo
:seco, de todos os dias .
A mesma rua
:cheia, sempre cheia.


E somos tomados pelo vento,
pensando donos do destino,
como se existisse
dono, destino.

E andamos
naquela mesma rua
:seca,
dos passos cheios,

Pensando que essa gente,
quando há, olha pra gente,
como se alguém
olhasse pra gente.

E ainda assim fazemos mais ruas,
mudamos os ventos,
cremos em destino,
olhamos pra gente,


pensando donos da vida,
como se a vida, quando há
e se existisse, tivesse dono
ou olhasse
pra gente.

Rodrigo Sluminsky




+++ Etecetera

Victor Marie Hugo

segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Tristeza Mediana

Que triste é, ó lua, o sentido ordinário das coisas
que pela manhã, acorda
que pela tarde, a corda
que pela noite, recorda

Que triste é, ó lua, a preleção dos mais velhos
que ontem, viveu
que hoje, sobrevive
que amanhã, morrerá

Que triste é, ó lua, o discurso apaixonado
que antes, chorava
que agora, assusta
que depois, ironiza

Que triste é, ó lua, a poesia
que fora salvação
que é dúvida
que será relíquia

Ò, minha lua, donde estão os destemores pelo esdrúxulo
que veneram a verdade
que afrontam os desafios
que desmascaram os fatos

Leve-me, por favor, intrépida lua
para onde não roubem meu amor
para onde meu estômago suporte
para onde não desvirtuem o simples ato de chorar

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Tarde em Itapuã, Toquinho e Vinícius de Moraes

Discurso do Método, René Descartes

sábado, 16 de outubro de 2004

Tamanho do Amor

Ofegante e desnorteado,
nasce novamente a luz,
que sem pedir licença,
avigora o coração.

E caviloso,
percebe que o Amor é do tamanho do sonho.

Rodrigo Sluminsky






+++ Etecetera

Le Nozze di Figaro, Wolfgang Amadeus Mozart

Poema em Linha Reta, Fernando Pessoa

sábado, 7 de agosto de 2004

Dicotomias

Dois verbos: Chorar e Sorrir.
Em resposta à concórdia
o Riso surge filantrópico;
em resposta à discórdia
o Choro põe-se egoísta.


Com coração, sem coração;
coração bom e coração mau,
de amar ou não,
de odiar ou não.
E o mundo arrefece em dicotomias...

Rodrigo Sluminsky


+++ Etecetera


A Casa de Rubem Alves

quarta-feira, 28 de julho de 2004

Paris? Texas?!

Somos magros, somos feios, somos negros. Somos brancas, somos escravas, somos mineiros. Também somos daqueles paulistas bandeirantes, triunfantes nessas florestas tropicais, que estão perecendo nos desertos imemoriais do Império Americano... Nós não somos bacanas, não somos "hermanos"; nós somos ilegais!
Nossas mulheres fazem fila por subempregos, nossos filhos multiplicados criam confusões dos diabos com desejos e miscigenações. As raças puras dos velhos continentes que se cuidem com muros de vergonha, murros sem vergonha e passaportes de sangue azul. Estamos sempre em trânsito, procurando um lugar onde cair duros. E essas paisagens são bonitas de se ver em tecnicolor, mas letais nas realidades banais de nossos calores humanos!
O fato é que vagamos em vagões de gado, à espera de uma esmola, um trocado, um salário ou uma vaga em Auschwitz. Escondidos nos fundos falsos dos contêineres subsidiados, somos sufocados por esses pós da China que se acumulam na bacanal do comércio internacional. Será que a felicidade é estrangeira, nos punindo por termos nascido na pátria de Deus? Ou o Senhor é do Timor? É cubano? É panamenho? É ou não é brasileiro?! Fazendo tanta besteira com a criação, poucos duvidam da origem de sua instrução...
Cansamos de comer pelas bordas as migalhas jogadas por essa elite ilustrada, que se repete na mesma história de poder e marmelada, já que prefere a sonoridade da prosperidade distante às lavanderias dos seus próprios quintais, onde os empregados informais choram abraçados a crucifixos e aventais.
Se não somos iguais perante as próprias leis, o que seremos? Marginais de nós mesmos? É para rir? É para chorar? Para respeitar? O quê? De quem? Onde? A aflição globalizante acabará com Governador Valadares? Ninguém mais saltará do pico do Ibituruna? Quem velará pela mensagem de Augusto dos Anjos quando a cidade de Leopoldina for declarada extinta? O que farão os bombeiros bombados e bronzeados sem os rachas e os acidentados no eixo sagrado de Palmas? O açude de Cajazeiras se transformará numa cloaca quando não houver mais quem cuide de sua pureza? Exu perderá a fama de mau? Que pedra é essa no meio do nosso caminho? O que faz os goianos se lançarem às miragens no deserto do Arizona não é o mesmo que faz outros depositarem os butins da terra arrasada em contas cifradas na Europa enregelada?Será que é porque aqui se morre de fome antes de lá morrermos de sede?
Podemos estar na moda dos modelos anoréxicos, o que não nos põe comida no prato. Saco vazio, por mais bem maquiado, não pára em pé. Nós avançamos. Pulamos as cercas, comemos poeira, mergulhamos nas águas paradas das fronteiras contaminadas! Aliás, quem são os soldados desconhecidos que passam boiando nesses rios ridículos que separam mulheres de homens? Qual será a cova final dos nossos cadáveres, uma vez que suas famílias estão miseráveis para esses traslados sofisticados?
A desnutrição faz a vanguarda deserdada que se espalha por esses campos ressecados de batalhas, carregando as tralhas em mochilas espremidas e amedrontadas pelas mordidas dos coiotes que abundam farejadores. O que ocorreria se corrêssemos desses bichos que, em ficando, nos pegariam, nos matariam e nos comeriam num Estado Nacional ou noutro? Todos preferem a vida a peso de dólar, essa é que é a verdade, ou a vaidade, desses burgueses. Nisso se assemelham aos patriotas locais muitas vezes mais espertos, cuja prole já vive a boa vida eterna, estudando num paraíso fiscal ou intelectual qualquer. Preferimos fritar as batatas baratas que enchem as barrigas desses turistas brasileiros em visita aos monumentos genocidas dos nossos antepassados. Embalamos o seu luxo, erotizamos vosso tédio, recolhemos vosso lixo!
Somos bobos, somos fracos, somos mixos! Até os falsários portugueses nos chamam de burros bem-comportados, uma vez que lhes passamos a maior parte do dinheiro mal suado em agiotagens nessas oficinas de costura puritanas, quartos de crianças arianas e lanchonetes multinacionais.
Podemos perfurar os poços dos vice-presidentes, fazer figuração em filmes decadentes, pornográficos... haveremos de nos encontrar sobreviventes nas portas das estações de trem, trocando seringas e doenças endovenosas. Nos envenenaremos de desprezo, de raiva e saudades caprichosas. Também poderemos ser mordidos por vírus esquisitos nesses sexos fáceis, sem proteção ou anticorpos...
Detidos para averiguações, pagamos imediatamente a temerária fiança temporária aos advogados de porta de alfândega; mas se nada disso resolver e formos presos por essas polícias políticas, que nos sirvam uma boa refeição quente, um copo de café com leite e vista para alguma "highway". Quem sabe aí a gente possa imaginar um lugar diferente, onde tudo passa de repente, até a ilusão do movimento... Me digam: quem é o malandro? Quem é otário? Quem é revolucionário?
Quando os supostos democratas históricos se juntam aos fascistas de plantão por 15 minutos de fama filmada em campanhas esclerosadas, talvez seja mesmo a hora de parar, de amaldiçoar, de partir... 

Fernando Bonassi
 
Fernando Bonassi é paulistano, nascido na Mooca em 1962. Escritor, roteirista e cineasta, tem inúmeros livros lançados, dentre os quais citamos: A incrível história de Naldinho, um bandidão o bandidinho?, O céu e o fundo do mar, 100 coisas, Declaração universal do moleque invocado (indicado para o Prêmio Jabuti em 2002), O amor é uma dor feliz, Ta louco! e Passaporte. Vencedor da bolsa do Kunstlerprogramm do DAAD, passou um ano em Berlim escrevendo. Tem contos e livros publicados na França, Alemanha e EUA. É formado em Cinema pela ECA-USP, tendo participado como diretor/roteirista dos filmes Castelo Rá Tim Bum e O trabalho dos homens. É dele o roteiro de Um céu de estrelas, longa de Tata Amaral. Para o teatro, escreveu As coisas ruins de nossa cabeça e participou da concepção de montagens do Teatro da Vertigem, de Antonio Araújo. Com a peça Woyzeck desmembrado retornou a parceria feita anteriormente com o ator Matheus Nachtergaele. 


+++ Etecetera 

releituras de Fernando Bonassi 

Filmografia

segunda-feira, 5 de julho de 2004

Dias atrás, ouviu-se uma história de um jovem que se suicidara em uma cidadezinha nos Andes chamada Cerro de Pasco. Segundo relatos, tal garoto chegara de longe, muito longe, ainda que não se soubesse donde, e naquela fria noite de inverno fora se aquecer em um dos estabelecimentos apropriados da cidade. Entrara no bar com passos de forasteiro, mas com um olhar aquém da realidade outrora imaginada. Sentara numa das únicas três banquetas disponíveis. Ao seu lado, o fidalgo não espera segundos para perguntar-lhe:
- O garoto tem nome?
- Tive, mas perdi-o com o tempo. Aliás, tinha nome e sobrenome, palavras e consciência. Tive rumo, flores e propósito. Hoje, tenho a mim, e é o que me basta!
- Pode até ser verdade que não traz consigo a aflição pretérita, mas este lugar não lhe espera e não lhe acolhe! Sugiro que desbanque seus culhões e encontre um lugar seguro para sua melancolia.
- Cá estou, cá não quis estar. Simplesmente acompanhei minhas pernas!
- E sugiro também que não ande como se não quisesse chegar a lugar nenhum!

O garoto então, humildemente, levantara-se da banqueta alheia e rumara em direção à porta. Foi encontrado morto dias depois, com pés e mãos congelados, sorriso nos lábios e uma mensagem no peito: cheguei o mais longe que pude, para não ficar parado!
Matou-se, enfim, para deixar na memória dos que ficaram o escárnio pelo apriorismo!

Rodrigo Sluminsky


"(...) não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve."
William Shakespeare


+++ Etecetera

Matt's Journal (Travelling photos)

Free as a bird, the Beatles

terça-feira, 22 de junho de 2004

Por quê?

Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar, morrer?

Carlos Drummond de Andrade



+++ Etecetera

Biografia

Antologia Poética, Carlos Drummond de Andrade

Consolo na Praia, poema de Carlos Drummond de Andrade (na voz de Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 9 de junho de 2004

Devaneios

Era impossível falar de amor naquele canto do coração!
E quanto mais se pensava em desespero e temores,
saltavam à boca as preciosas falácias apriorísticas...

A Bíblia diz que é ressureição;
os médicos falam em técnica;
bastante gente acha que é mandinga.

E não importa o tamanho do marcapasso
se acabou a pilha
e já não se encontram mais pilhas...

Está claro que tudo isso sobrecarrega em muito os outros órgãos!
O pulmão está gelado,
a boca seca,
o fígado dói...
O pé não tem mais solado, pois é preciso fugir,
procurar o bulbo.
Desequilibrado, busca o equilíbrio,
com os pés descalços,
sem solado.

Sente ainda que tem sentido alguns sentidos.
Falsos devaneios de domingos à noite...

A engrenagem está mais próxima que seus olhos míopes vêem.
Muita gente precisa deste velho coração,
de sangue novo.
Tem gente que sente o que o coração de sangue novo sente!

E choram porque não conseguem...
Com razão, absolutamente!

É muito estranho sentir o que o outro está sentindo,
e não saber que o outro está sentindo,
o que estou sentido,
se isso for sentir algum sentimento.

Restam duas alternativas:
chorar sozinho
ou pensando em você!

Rodrigo Sluminsky

terça-feira, 25 de maio de 2004

O amor acaba

Não obstante toda insalubridade, o coração sobrevive à miséria. Anda pelos becos, afugentado, à procura de abrigo. Chega a cantar "Singing in the rain" sem guarda-chuva, absurdo para o cinema clássico. Aos prantos, imita Charles Chaplin a proteger a vida do bebê indefeso.
O ódio torna-se refém da ternura ao perceber que, mesmo desamparado, pode estar melhor acompanhado consigo mesmo. Sente frio. O Sangue, outrora vermelho-sangue, refrigera-se ao azul-escuro. Seus dezenove centímetros de altura não passam agora de quinze de largura. Manchas púrpuras rodeiam suas extremidades.
Foi então que percebe o perigo. Corre desesperadamente. Pula duas ou três cercas, deita-se. O silêncio é interrompido, subitamente. Gritos de escárnio. O coração, afugentado, recomeça sua fuga desnorteada. Pula no lago recém congelado. Aquela noite de outono trouxera os píncaros da saudade. Imerge! Nessa hora o coração já está gelado, intransponível. Sente calafrios, medos, sensações de indiferença. Desfalece, rumo à nulidade, naquela triste noite de outono!
E por incrível que pareça, descobrira a passagem que Peter Pan utilizara para arraigar a magia. Digo incrível justamente por não ter sido ajudado pelas coronárias. Coração valente! E também, quando menos percebe, retoma sua temperatura habitual de verão, ainda naquela triste noite de outono. A coragem apareçe aos poucos, e a força para sustentar tanta vida é praticamente ressucitada!
Passado o inverno, naquela feliz tarde de primavera, resolve voltar àquele mesmo lago, cujas águas não mais dispesavam temor. Umedece a ponta do dedo do pé esquerdo e nota certa simpatia no beija-flor ao lado. O resultado não poderia ser outro: olha para o lado e o ódio, que havia esperado uma estação inteira para agir, desfere três projéteis de calibre razoáveis no coração do coração, incapazes de fazer resultar em casamento.
E, como estava dizendo, o problema não é a miséria, é a ignorância!

Rodrigo Sluminsky





+++ Etecetera

O amor acaba, Paulo Mendes Campos

Brisa do Mar, Chico Buarque

domingo, 16 de maio de 2004

Lágrimas de sangue

Durante muito tempo temos a sensação de estarmos protegidos das coisas do mundo. Quando crianças, temos sempre aquele amor fraterno de nossos pais. Jovens e rebeldes, vemos nas novas descobertas a proteção necessária para a sobrevivência social. A partir do momento em que percebemos a fragilidade de nossas convicções e conquistas, agarramo-nos em uma consciência intelectual única e individual, com padrões moralmente definidos, para continuarmos a proteção e à proteção do mundo.
Desvinculados dessa segurança retilínea defendida pela cultura ocidental, tudo que apregoa-se evapora ao descaso e à falta de sensibilidade alheia. O resultado é preemente e avassalador, dentro daquele prognóstico ético(1) de vida: se não sofrer uma aborto, o feto garante sua possibilidade de chorar, ao menos, pois ainda corre o risco de ser jogado em uma lata de lixo qualquer; e muito embora sua mãe resista à pressão sócio-econômica-cultural de prezar pela vida da criança e por sua sanidade mental, não há expectativa nenhuma de "crescimento sustentável"(2) diante das possibilidades necessárias; ora pois, ir ou não à escola é somente a décima das necessidades urgentes destas crianças; e muito embora ela aprenda a soletrar H-O-L-O-C-A-U-S-T-O, suas garantias de sobrevivência ficaram a tempos nas mãos de pessoas desconhecidas; e, ainda assim, passados os tempos de aflição física, juro por Deus, nada no mundo restará normal e com plenas faculdades mentais.
Na prática, o que resta é um punhado de gente lutando por coisas inexistentes, sem o mínimo de padrão ético, com nenhum objetivo filantrópico, à deriva da realidade social mundial, isenta de culhões filosóficos, e alegres em poder, no final do dia, comer um Mcdonald's com uma Coca-Cola Light.
Ladies end Gentlemen, have fun with Dr. Mr. Bush:

http://uhpdistro.webcindario.com/tortura%20irak.htm

(1) A Ética Protestante vs Ética à Nicômano
(2) Em homenagem ao crescimento econômico sustentável no mundo!



+++ Etecetera

www.un.org/terrorism

www.global.org.br

quarta-feira, 28 de abril de 2004

Fio da Vida

Já fiz mais do que podia
Nem sei como foi que fiz.
Muita vez nem quis a vida
a vida foi quem me quis.

Para me ter como servo?
Para acender um tição
na frágua da indiferença?
Para abrir um coração

no fosso da inteligência?
Não sei, nunca vou saber.
Sei que de tanto me ter,
acabei amando a vida.

Vida que anda por um fio,
diz quem sabe. Pode andar,
contanto (vida é milagre)
que bem cumprido o meu fio.

Thiago de Mello



E quem teria a pretensão de dizer coisa mais certa? Alguém poderia me dizer, por favor? Ou vocês pensam que isso é uma ruanice, que estamos aqui para completar um ciclo e que, quando Deus vier nos salvar, nada de pecado irá nos restar. Nada, nem mesmo a vaga inocência, será lembrado após a supressão da ternura.
Somente levará consigo a incapacidade de não conseguir fazer o que deveria ter feito!



+++ Etecetera

www.ims.com.br

Unforgettable, Nat King Cole

segunda-feira, 19 de abril de 2004

Tratado sobre o nada

Dia desses estive pensando em duas possibilidades. Claro que havia muitas outras coisas para colocar na lista, mas, em essência, somente estas duas possibilidades eram reais. Mesmo porque a realidade deveria preponderar na escolha dos juízos. Não que isso seja regra. Foi da imaginação de Ferdinad Pourroit, por exemplo, que a humanidade conseguiu avançar nos estudos científicos mais importantes. Mas nesse caso, era indispensável que a escolha fosse feita dentre essas duas possibilidades.
O processo de tomada de decisão foi muito difícil. Descartar determinados pontos, que certamente não eram descartáveis, causou-me embolias incessantes. O medo não estava presente como aquele conselheiro fiel, de todas as horas. Minhas pernas tremiam mesmo, e só de pensar em tomar a decisão errada meu ventre arrefecia-se a calafrios. Então, intempestivamente, colcluí que somente superaria minhas expectativas se instituísse um parâmetro altamente eficaz para a resolução de conflitos inter-neuroniais. Escolhi que as pessoas são mais importantes e hoje isso é a baliza mais importante das minhas atitudes. Quando fujo dela, o ressentimento é insuportável!

Ps: Não havia possibilidades. Não conheço nenhum Ferdinad Pourroit. O que há são sentimentos. O resto a vida se encarrega de destruir! Aliás, lembra-se daquela coisa, importantíssima, que você adora? Pois é! Ela não é nada sem a lembrança. Nada mesmo!



+++ Etecetera

As Bicicletas de Benneville (França-Bélgica, 2003)
Direção: Sylvain Chometco

Una Mañana, Cafe Tacuba

quarta-feira, 7 de abril de 2004

O astro (in)visível

À Lua ofereço minha fidelidade
Lua cheia, imperiosa
que no céu, permanece
que o sol vai invadir

À mente proíbo a sobriedade
Mente vazia, prepotente
que no céu, desaba
que o sol nunca vai invadir

Rodrigo Sluminsky




+++ Etecetera


Birdland, Charlie Parker

www.allaboutjazz.com/index.html


segunda-feira, 5 de abril de 2004

Violência psicológica

É facilmente perceptível como as pessoas andam sem metas concretas para suas vidas. E não se trata somente de adolescentes que não têm, ainda, o discernimento para determinar tal objetivo substancial.
Aquilo que Weber chamava de "desencantamento do mundo" está amplamente recuado na sociedade contemporânea. Em sentido estrito, na época ele explicava isso como sendo um "um longo caminho no qual as concepções mágicas e religiosas do mundo vão sendo substituídas por uma concepção racionalizada da existência." (SELL, C. E. p. 128) Esse processo de racionalização de condutas, hoje, é tomado de modo inverso. As pessoas cada vez mais buscam na futilidade o sentimento de liberdade. Mistura-se o conceito com a finalidade, restando tudo na superficialidade. Enquanto as diferentes religiões, ou facções, atraem seus missionários, enquanto a invasão das telecomunicações não são contidas, enquanto os excessos não puderem ser comedidos, nada restará eficiente.
Na prática, o que vemos é uma pressão psicológica amplamente disseminada, impondo condutas e exigindo respostas precisas e lineares. Temos que assistir aos programas de televisão mais idiotas, temos que ler aquele "best-seller", temos que fazer aquilo daquele jeito etc. Aqui não se fala em violência física, mas da mais pura opressão que um ser humano pode receber, quase que tendo seu direito ao desenvolvimento anulado.
Deve ser chato pra caramba, por exemplo, ler um texto como esse. Na maioria das vezes o resultado não é obtido imediatamente. Claro que posso facilitar para vocês, com exemplos que se enquadrariam perfeitamente em nossas vidas. Inclusive exemplos que aprendi com amigos ou que simplesmente vivenciei, que comprovam essa violência silenciosa.

(i) Imaginem vendar uma pessoa, sugerindo o início da prática da tortura. Pegue um ferro bem quente, um bife e um gelo, récem tirado do congelador. Ao mesmo tempo que colocar o ferro quente no bife, coloque o gelo na nuca do cabra. Em hipótese, não há violência física, percebem?

(ii) Mais facilmente perceptíveis são as mazelas que os telefones celulares causam nas pessoas. Quantas vezes, lembremos todos nós, ficamos nervosos por causa dessa porra e dos péssimos serviços que nos são prestados? E o pior é que não há argumentos que me convençam de sua necessidade extremada, como acontece hoje. Ficamos nervosos à toa, deixamos os outros nervosos e todos se descontentam.

(iii) Pare e preste atenção à sua volta. Quantos tipos de barulho você consegue identificar? Três, quatro, dez? E quantos mais você não consegue? Poluição sonora é uma faceta da violência psicológica que pode ser a grande causa do estresse nas pessoas que moram nas grandes cidades.

(iv) E será que até no ônibus eu tenho que ficar me indispondo à toa? Ouvindo baboseiras sem precedentes, sentindo-me inútil à falta de educação rotineira? Sugiro a leitura da crônica "Como comportar-se no bonde", de Machado de Assis.

(v) Por falar em falta de educação, onde estariam os pais com aquelas velhas e tão funcionais palmatórias? Ou dir-me-iam vocês que também é violência psicológica? Prefiro pensar como Maquiavel, que sobreleva o ruim ao pior. Prefiro que meu filho tome umas palmadas (e bem dadas!) quando jovem a ficar um inescrupulosamente devasso.

(vi) Ou vocês gostam de ouvir aquela tal de Solange do BBB4 falando baboseiras? Eu não gosto, mas também não ouço. Pergunto também: quantas baboseiras falamos também, e não nos damos conta disso? Reflexão, muita reflexão!

(vii) E alguém de vocês está preocupado com qual modelo de TV digital o Brasil irá adotar? Pois se está sugiro passar uma semana na " casa de Custódia" de Florianópolis, para saber mesmo o que é preocupante.

(viii) Concordo que a violência física é um precedente muito forte para a violência psicológica. O medo tornou a vida de algumas pessoas insuportável. Pergunto: A aflição vale a pena? Hoje li em um jornal (FSP/Cotidiano, 05/04/2004) que uma moça não está mais preocupada com a violência, pois mandou blindar seu carro. Parece piada, mas será que ela vai viver dentro do carro?

(ix) Como que um supermercado pode cobrar R$ 1,03 por uma caixinha de goma de mascar e R$ 2,77 por duas, exatamente iguais (Supermercados Angeloni)? Experimente conversar com o gerente para ouvir a mais estúpida resposta: "ultimamente temos apostado em uma maneira diferenciada para convencer o cliente que estamos com a melhor oferta"! Você não ficaria psicologicamente abalado?

(x) Sabe, a questão não é suportar ou não o Galvão Bueno logo pela manhã. Mas queremos ao menos ter a possibilidade de escolha, entendem? Eu quero assitir à Fórmula 1, mas juro que adoraria ouví-la (sim, ela mesma!) narrando as patifes do Rubinho, que, aliás, não deixa de violentar psicologicamente o povo brasileiro.

Claro que você pode ampliar o rol de matérias que nos deixam extremamente perturbados. Podemos falar de casamentos falidos, ou mesmo outras relações que desgastam toda a vida dos indivíduos, ou ainda de brigas entre vizinhos e outros conflitos. Mas não seria este o propósito. O objetivo é tentar identificar as causas da falta de tolerância hoje no mundo, inclusive a minha. Deixei de ser tolerante e passei a atuar no mundo como coadjuvante, embora protagonista (e único) de uma história que nem eu sei se terá desfecho. A verdade é que não há mais como suportar tamanha futilidade sem desdenhá-la. Vejam bem, não significa que trataremos isso com mais repúdia. O debate gira em torno da Teoria da Idéias e não do primado da violência. Substituir o debate sadio pela discórdia não é nada positivo nesta sociedade de animais em que vivemos. E é sempre bom lembrar que toda essa retórica de Democracia e Estado de Direito nunca deixou de ser falaciosa em nosso país. Vivemos e por muito tempo viveremos em um Estado de Natureza (Hobbes, Locke, Rousseau). Temos que ser auto-suficientes, com nossa cachola funcionado perfeitamente, para não caírmos nas armadilhas que todos os dias nos são postas.
Como já coloquei, não há pretensão algumas nessas minhas palavras. Estou somente desabafando com vocês algo que todos vivem. Tenho certeza que proporciono também mazelas psicológicas para muita gente, mas o segredo é sempre estar correndo atrás do prejuízo. Temos que pensar na substância que nossa vida está se tornando. É interressante criar mecanismos para auto-avaliar-se periodicamente. Essencialmente, eu utilizo de quatro deles muito bem: (i) conto o saldo positivo de "amigos-do-coração" (porque se for negativo começe a se preocupar); (ii) mantenho uma certa postura ética que, embora não seja a mais aconselhável, dificilmente decresce, e quando acontece, procuro uma eterna reparação; (iii) também me faz bem pensar no número de pessoas que derramariam um choro sincero no leito de minha morte, do tipo "esse filho-da-mãe fez diferença em minha vida", embora pareça loucura; e, por último, (iv) para escapar definitivamente desse tormento psicológico, que afugenta tanta gente, amplio o conceito de soliedariedade e o coloco como guia para minha vida, pragmatizado no aforismo "mal para mim, bem para os outros".
Tudo isso faz parte de uma postura que tem como embasamento primordial a tolerância e o respeito, sempre com o foco na justiça. Cada um deve procurar em si os conceitos que considera primordiais para ampliar essas bases no mundo. Pense nas pessoas em primeiro lugar, sempre. E se elas falharem, não desanimem. Confiança e perdão são também pressupostos para vencermos essa intolerância e esse desrespeito. Falta-nos a sensibilidade para perceber que as pessoas continuam a ser surpreendentes!



+++ Etecetera

Violência Gratuita (Funny Games, Áustria, 1997)
Direção e roteiro: Michael Haneke
Elenco: Susanne Lothar, Ulrich Mühe, Frank Giering, Arno Frish

Entre Quatro Paredes, Jean-Paul Sartre
Peça da Companhia Improvável, do Rio de Janeiro

quinta-feira, 1 de abril de 2004

Tratado 2º sobre o Amor

Ontem foi o dia em que as flores estavam incomparáveis
:época de sinceras ilusões, e desilusões,
e calmaria, e comodismo, e felicidade...

Nada teve a ver com tristeza,
nem a hipocrisia foi protagonista desta história
:simples mente a mente simples, em equilíbrio!

Hoje o dia está azul,
cuja raiva daltônica não se deixa iludir,
de azul, ou vermelho, ou roxo...

Porque também os joelhos não mais suportam a mentira,
ainda que as flores permaneçam cromófilas,
e ainda que sejam pintadas com lápis de cor!


Para amanhã já espero a frustração,
que reunirá a anabolia de viver em paradigmas com a mente
e de morrer em fossas sentimentais com o coração...

E ainda que a tristeza não esteja relacionada;
mentira que não propago à hipocrisia da felicidade
:minha flor predileta continuará sendo a margarida!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

Nothing Compares to You, Sinead O'Connor

Pico na veia, Dalton Trevisan

quarta-feira, 24 de março de 2004

Poética

"De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo (...)"

Trecho de Poética, de Vinicius de Moraes



+++ Etecetera

www.taste.com.br

sábado, 20 de março de 2004

Outra Comédia da Vida Privada
uma homenagem a Luís Fernando Veríssimo

O sujeito nasce, do nada, como se fosse qualquer hortifruti encontrado na mercearia do seu Agostinho. Parecido com aquele repolho de segunda-feira. Também não pedira para nascer. Fora jorrado do ventre de sua matriarca.
- Olha - diz ela -, ser mãe é "padecer no paraíso". Estou realizada!
Pois é, então! Tanto faz! Acontece que o maldito acabara por conhecer o que os religiosos chamam de "passagem". E dera de cara logo com aquele estúpido auto-didata que se denomina obstetra. Isso depois molestar sua mãe, agarrar suas pernas e bater na sua bunda.
No entanto, segundo o pai, nascera com um peso considerável - 2,789 Kg - e uma expressão de vencedor. Tinha até barba! Dá para imaginar a cara de felicidade do paspalho. Aliás, ninguém tinha muita certeza se aquele ser que estava na sala de cirurgia era realmente o pai. Eu não botaria minha mão no fogo. Sei que a dona Nezinha tinha um foginho no rabo (ah, como tinha!), mas nada que comprometesse sua idoneidade. Dava até pra entender. O seu Bartolomeu Fagundes era daqueles senhores com uma vida regrada, motivo de orgulho para sua mãe, dona Josefina. Não bebia muito. Trabalhava com afinco. Repudiava intensamente o ócio. Jogatina para ele era buraco com a sogra, a mãe e a esposa. Amigos, só na pelada de quinta à noite, mas tinha que ser antes das nove. E comia, como comia.
No final, surgiu um repolho com cara de menino, que, segundo o padre que o batizou, seria um garoto de muita sorte. Eu não sei ao certo se eles estavam sacramentando-o numa igreja ou num canjerê, mas sei que a merda estava feita. Choradeira por todos os lado. Comilança inescrupulosa - como em qualquer festa de família. Afinal, havia nascido para incomodar todos à sua volta.
Com dois anos de idade, seu Bartolomeu e dona Nezinha começaram a perder as estribeiras com o garoto. Agia de maneira estranha com os pais - comia pouco, não queria tomar banho. Resolveram levá-lo ao doutor "pau-de-arara", que agora se chamava pediatra. Riu, à primeira vista. Chamou-os no canto e explicou-lhes o "causo": seu filho é absolutamente normal. Ele simplesmente apresenta sintomas do Complexo de Édipo! E não é que o filho-da-puta ficava mesmo segurando o cocô? Só não sei dizer até que idade ele sentia essa aflição, mas o ciúme do pai para com a mãe, ao menos, durou até pelo os cinco anos de idade.
Passado um certo tempo, o garoto já estava pronto para à civilidade: era hora de colocá-lo na escola. E não porque ele tinha que aprender alguma coisa, por verdade, mas é que o pai e a mãe tinham que sair para trabalhar. Afinal, quem pagaria a escola do piazão? Só sei que no final ele acabou indo pro Jardim de Infância "Pequeno Príncipe", cujo CNPJ se repete 138 vezes só no Estado de Santa Catarina. Conhecera a Tia Paula, que lhe ensinara inúmeras coisas, tais como não subir nas portas, não mijar fora do vaso, não derramar suco na calça, não correr em sala de aula, não brigar com os colegas, não levantar a saia das meninas, não pular a janela etc. Até sua mãe reconhecera os "esforços" da diretoria da escola em aconselhar ao filho os bons costumes.
Transcorrido esse tempo de latência, chegara o momento de saber o que são aqueles troços na embalagem do seu salgadinho predileto. Sim, começara a "alfabetização"! Dizia ele para a mãe que o dinheiro era para compra papel de ofício (e como essa escola era ambientalmente irresponsável!). A tia do cachorro quente é que garantia sua renda mensal. Eu, hipoteticamente falando, não tenho do quê reclamar. Mas meus pais têm!
Noutros tempos aquele repolho mal-formado tornara-se um touro considerável, que aos quinze anos detinha seus 1,89m de altura. Lembro-me bem, como se fosse hoje, a discrepância de sua altura com a de seu pai (1,73m).
Utopia mesmo era a faculdade de fisioterapia. Acho que gostava dessas coisas de esporte e tal, como um boiadeiro das coisas da fazenda. Resolveu por cursá-la. Na colação de grau, desabafa à sua mãe: que merda, esse alvará para mexer na coxa dos outros não é o que quero! Acabou contratado pelo senhor Dorival, chefe de seu pai. Era agora assistente administrativo da segunda maior empresa de palitos de dente da América Latina.
Casou-se, enfim, com uma moça chamada Maria de Lurdes. Rapariga de família rica do noroeste da cidade de Palmeiral, no ápice de sua beleza, aos dezoito aninhos. Puríssima, com direito a namorico de portão, véu e grinalda no casamento e sangue na lua-de-mel. Raridade no mercado matrimonial.
Depois desse pouco tempo de experiências, sob o mesmo teto puderam perceber como a vida era mais que o conjunto de circunstâncias favoráveis. Morar juntos não chegava a ser difícil, mas era no mínimo estranho. Eles não sabiam, mas por incrível que pareça o amor estava com eles o tempo todo. No entanto, palavras de carinho e juras de amor eram minunciosamente calculadas. Publicamente, reservavam-se às risadas marotas, sem nenhuma interpretação extensiva. Eram certamente um casal comedido, cheio de mistérios. Ela, maravilhosa, percebe que aos vinte e dois anos suas nádegas não padeciam mais ao paraíso da mesma forma quando o rapaz as atracava ausente de pudor. Ele, por trabalhar com seu pai, recebendo ordens de um vagabundo ocioso, herdeiro das Matarazzo & Cia Corporações, sentia-se afugentado pela agonia. Ainda mais agora que a invenção mais supreendente dos cientistas alemães era uma espécie de anti-séptico bucal (não no seu sentido literal) chamado "fio-dental".
Odiernamente, chamavam essa aflição de melancolia, e aguda, coisa que se transformara em depressão matrimonial. E o pior era que ambos sentiam a angúsita da carência e não viam um no outro a resolução de seus problemas.
Um dia, então, um Domingo de Páscoa, para ser mais preciso, a sedução, que parecia ser recíproca, gerou uma fomenta imensurável naquela manhã nublada. Eis que, alguns meses depois, naquele primeiro dia do mês de janeiro de 1972, nasce a terceira geração dos Fagundes, para a felicidade de todos. Era mais enrugado e um pouco mais roxo, mas ainda tinha cara de repolho. Seu Bartolomeu, asmático, não pôde comparecer à festança. Sua avó, dona Nezinha, foi a primeira a pegar-lhe no colo, pois o pai, ou suposto, já que ninguém tinha muita certeza que aquele ser na sala de cirurgia era realmente o pai, estava emocionadíssimo com tamanha bênção divina. Lembraram-se todos da nossa senhora falecida, dona Josefina, matriarca da família. O avô, segundo a lenda, era um experiente pescador que morreu no norte da Escandinávia fugindo de uns corsários espanhóis. Mas isso já é uma outra história.

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

O Nascimento da Tragédia, Nietzsche

quinta-feira, 18 de março de 2004

>>> Organização, excelência, felicidade, otimismo, beleza, coragem, experiência, objetividade, satisfação, imponência, força, bem-estar, audácia, determinação, alegria, êxito, civilidade, harmonia, nobreza, satisfação, vida, prosperidade, expectativa, vigor, inspiração, honra, modernidade, certeza, bondade, intrepidez, resolução, conformismo, segurança, integridade, perseverança, sagacidade, veracidade, fidelidade, salubridade, ação, deleite, intrepidez, agilidade, fervor, fraternidade, amor, honestidade, patriotismo, sanidade, ilibidez, ética, literatura, cortesia, competência, conveniência, concruência e coerência. Et coetera.


Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drummond de Andrade



+++ Etecetera

Amsterdam, Coldplay
>>> Desorganização, imperfeição, melancolia, pessimismo, fealdade, covardia, imperícia, subjetividade, descontentamento, modéstia, fraqueza, mal-estar, timidez, indefinição, tristeza, fracasso, delinquência, orgia, pobreza, desgosto, morte, retrocesso, desespero, apatia, desânimo, infâmia, caducidade, dúvida, maldade, medo, hesitação, inconformismo, instabilidade, parcialidade, desistência, inépcia, displicência, crueldade, ódio, indignidade, antinacionalismo, insanidade, contaminação, imoralidade, secularidade, impolidez, ignorância, inconveniência, incongruência e incoerência. Et coetera.


As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade



+++ Etecetera

Deep Water, Jewel

quarta-feira, 17 de março de 2004

Reflexões

Que diríamos da inocência? Carência de culpa, simplicidade, ingenuidade, candura.
Há sim o princípio geral da inocência, ou melhor, da presunção da inocência, mas que isso significa?
Na verdade, isto está bem mais ligado ao padrão adotado por uma determinada sociedade que uma conduta ética típica, propriamente dita. Geralmente sucede um acontecimento de exacerbada repercução, ou por envolver celebridades, no seu sentido estrito, ou por simplesmente ferir de tal maneira os costumes locais que não haja mais como pensar em possibilidades semelhantes.
Claro, estas coisas acontecem justamente pela defasagem temporal na previsão de atitudes desestabilizadoras. Regular o destino do cidadão é extremamente difícil, mormente para sua parcela laica, necessitando de profunda reflexão do legislador. Infelizmente, provou-se que na prática é impossível elaborar situações hipotéticas, não por falta de imaginação da população ou por escassez de recursos técnicos, mas por incompetência da maioria dos deputados e senadores, eleitos, respectivamente, para representar o povo e suas respectivas unidades federativas.
Como consequência, o princípio da presunção da inocência, que teve suas raízes fixadas nas Constituições do México, em 1917, e na da Alemanha, em 1919, que foi tão brevemente outorgado pelos franceses, em 1791, que foi hermeneuticamente ampliado à América do Sul e depois positivado pelo Pacto de San Jose, e que, finalmente, restou como cláusula pétrea em nosso ordenamento pátrio, tão importante príncipio acaba por favorecer a impunidade dos facínoras e delinqüentes natos, servindo como bases para defesas "in dubio pro reu", por falta de provas ou por, repito, incompetência legislativa.
De nada adianta desarmar um cidadão honesto, pois o criminoso nunca precisará de aval da polícia para andar com uma 9mm. De nada adianta triplicar a pena do traficante de drogas enquanto houver mercado consumidor em abundância no Brasil. E de nada adianta reduzir a idade penal se não dermos aos nossos filhos, no mínimo, o que tivemos na infância. Curemos a doença então, e não simplesmente receitemos o antibiótico. Falar é fácil, botar o nosso na reta é mais complicado!
E eu juro que queria falar de ingenuidade, não de inocência, mas fica para uma outra hora.



+++ Etecetera

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quinta-feira, 11 de março de 2004

Cerrado e Dilacerado

A porta se abriu
sentindo a esperança
cansada de esperar
simplesmente.

A janela também se abriu
numa revelação inédita

- e com ela a cortina
os olhos, a outra porta.


E desceu - onde pudera subir
onde devera subir
para onde deveria ter ido.
E sozinha, consigo.

E outras coisas se abriram
- a boca, o livro, a torneira

enquanto a alma
permanecia fechada.


Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

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Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as
cortinas.
E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender cedo a luz.
E à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíches porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que
pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias de água potável. A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua o resto do corpo.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se o trabalho está duro a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta e que, de tanto se acostumar, se perde de si
mesma..

Clarice Lispector




+++ Etecetera

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domingo, 29 de fevereiro de 2004

Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade


Mesmo que a vontade seja a de chorar, tem-se um vida pela frente. A solidão não necessariamente significa princípio de depressão, nos moldes modernos. Podem até rir de você, dizer que é insignificante ou que não mais funciona, ou ainda pisar até sentir-se todo alimentado por um egocentrismo exacerbado. O temor também esquecido pelos sucessivos antolhos a que somos submetidos, a saudade outrora substancial, a ternura, nada mais importa depois dos píncaros da discórdia. Correr contra o tempo para afugentar a derrota só torna o sentimento ainda mais vazio. Você pode gritar, ah, isso pode. Você também pode escolher permanecer em silêncio, ouvindo, e só ouvindo aquilo que é possivel. "José, mas para onde?". O essencial é escapar do fastio e não retornar à nulidade. Sim, chega o momento em que os ombros não mais suportam o mundo, mas aí o importante é manter a base e não derrubar as coisas que lhe ainda restam. Melancolia, muita melancolia!




+++ Etecetera

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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

Lógica ilógica

Acho interessante como as coisas seguem a lógica. Muito idiota pensar assim, mas é o que acontece. Por exemplo, um amigo meu questionou, entre outras coisas, o porquê de os azulejos estarem simétricamente bem dispostos, tendendo à perfeição, a olho nu, ao menos. Diz ele, e eu até concordo, que é muito simples enganar nosso cérebro. As coisas mais fúteis nos chamam a atenção de uma maneira inversamente proporcional à nossa capacidade intelectual. Ou vocês nunca viram um homem, heterosexual e viril, apreciando páginas de "pornografia artística"? Mesmo os cientistas mais bem conceituados para discorrer sobre a matéria perdem-se no ilusionismo.
Quero dizer com tudo isso que não há lógica! Tudo é crença! Ah, céticos de plantão, dir-me-iam vocês que é comprovadamente comprovado (segundo as regras de redundância pleonasmáticas) que o homem foi à lua em 1969, ou que Platão era uma bicha inrustida, ou que Jesus não era o filho mais novo de Maria, ou ainda qualquer outra coisa do gênero.
- E-vo-lu-ci-o-nis-mo! - diriam. Pois eu digo que se o átomo era uma estrutura maciça ontem e hoje é um conglomerado de prótons, nêutrons et coetera, por que amanhã ele pode nem existir? Na Física Quântica já é mais que superada aquela máxima de que "nada se cria, tudo se transforma". O nome hoje é Energia (poderia ser "breguenete"). Vocês entendem o que quero dizer?
Escolha um caminho: Crédulos quanto ao Fantástico ou Céticos quanto ao Óbvio? A ou B? Acho que de jeito nenhum isso entra no rol dos temas coerentes da Idade Contemporânea. Porque ciência pode ser comprovada, mas somente para aqueles que acreditam nela, ou para aqueles que partem de um dogma, de uma premissa anteriormente colocada, de modo que há facilmente a formação de um silogismo: Premissa maior + Premissa menor = Conclusão. Por exemplo: Todos que tirarem sete na prova de Aritmética não precisarão fazer exame (Premissa maior); Joãozinho tirou sete na prova de Aritmética (Premissa menor); Portanto, Joãozinho não precisará fazer exame (Conclusão). Claro que este é um silogismo trés simple, só que em essência a Ciência se baseia nisso. Pode até ser empiricamente comprovadíssimo tudo que se evoluiu, mas na base de sustentação a própria Ciência é crença. E crença não se discute, se respeita!
Há um porém, no entanto. Não sei se acredito (crença) em tudo que escrevi agora. A Ciência tem nos ajudado muito a superar males simplórios, por exemplo, como a varíola e a gripe. Ou tem feito descobertas promissoras relacionadas a outras áreas. Mas minha carga psico-sociológica tem a pretensão de ser substancialmente menos segregadora que essa linha de raciocínio. Descobriu-se, e daí? Se estou aqui escrevendo neste computador é porque tenho dinheiro, não porque sou herdeiro da tecnologia. Se eu tivesse Leucemia, pobre de mim se eu fosse pobre, que esperaria anos na fila. Se eu quisesse mandar um e-mail, pobre de mim se eu fosse pobre, porque somente 6% da população brasileira envia mensagens eletrônicas. Isso me chateia. Não chega a me tirar o sono, pois minha pretensão de mudar o mundo não é revolucionária, mas é ao menos autêntica. Fico realmente triste, podem acreditar!
Por tudo isso, não vejo necessidade de acreditar (crença) que a evolução do ser humano é real. Evoluímos fictíciamente e regredimos inescrupulosamente. Simplesmente prefiro pensar assim. Não quero questionar a veracidade do Teoria dos Jogos de John Nash Jr. ou a Teoria da Relatividade de Albert Einsten. Não estou aqui para julgar Hitler ou Stálin. Quero não sentir mais vontade de dizer para um amigo que ele está errado, entendem? Não há padrão! É tudo uma farsa, uma conspiração para que o Poder não seja rifado. Não há lógica a seguir, é simples convenção, simples senso comum, simples costume. O que quero é fazer as coisas que tenho de fazer da maneira mais excêntrica possível, para não conseguir repetí-la. Quero acreditar (crença) que estou no mundo para fazer diferença, para pensar com o coração, para repudiar a lógica consumerista, fútil, parda, que nos cega dos olhos. Tudo isso porque eu quero! Querer não é poder, mas eu quero. E quero sem pudor. E puta merda, seria massa!

Rodrigo Sluminsky



+++ Etecetera

The Logical Song, Supertramp

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004

Então, dia sem sentido hoje. As pessoas têm costume de dar o nome aos bois. Chamam de crise existencial, estresse, má-disposição, frescura, sei lá. Não tenho certeza do que está faltando para reverter esse quadro sádico e depressivo. Normalmente buscaria as inferências no cerne das maravilhas etílicas, mas nem isso minimiza o tédio.
Aproveitarei, então, para representar o Filósofo nas nossas mentes. Nada de comentários taratológicos ou pragmáticos acerca do ceticismo e da descrença de Schopenhauer, mesmo porque a época é de construir bases sólidas de sustenção - moral, social, psíquica, et coetera. A desconstrução de valores deixarei para Denys Arcand(+++ Etecetera) na divagação de hoje. Não se trata de ausência de vontade - no próprio sentido do inconsciente pregado pelo Filósofo -, mas de pura desarmonia entre as sinapses.


Arthur Schopenhauer

Schopenhauer & origens>>> Arthur Schopenhauer , filho de um rico comerciante, nasceu em 22 de fevereiro de 1788, em Dantzig, na Prússia, donde saiu em 1793, quando esta cidade foi anexada à Polônia, instalando-se em Hamburgo. A vida em família era deplorável. No tempo em que freqüentou o salão de sua mãe, tornou-se amigo de Goethe (1749-1832), o qual reconhecia seu gênio filosófico e o incentivou a desenvolver uma teoria antinewtonia da visão (obra: "Sobre a Visão e as Cores", publicado em 1816).

Schopenhauer, Kant, Platão>>> Aos 21 anos, ingressou na Universidade de Göttingen cursando incialmente medicina e transferiu-se depois para filosofia, concentrando-se em Platão, Aristóteles e Immanuel Kant.
Estudou também na Universidade de Berlim, mas defendeu seu doutorado na Universidade de Jena (obra: "Sobre a quádrupla raiz do princípio da razão suficiente").
Com o aprendizado Hindu, Schopenhauer passou a acreditar que juntamente com as filosofias de Platão e Kant, as doutrinas indianas constituiam o alicerce para construir uma sólida filosofia de representação (obra: "O mundo como Vontade e como Representação", publicada em Leipzig, em 1818).

"O que um indivíduo pode ser para o outro, não significa grande coisa, no fim cada qual acaba só. Ser feliz, diz Aristóteles, é bastar-se a si mesmo."

Schopenhauer vs Hegel>>> Quando em 1822 foi chamado a Berlim como professor, agendou suas aulas no mesmo horário de seu oponente Hegel (1770-1831). Schopenhauer dedica a Hegel e ao seu sistema um ódio intenso. Enquanto toda a Alemanha celebra a filosofia da história de Hegel, o seu método dialéctico, a evolução do espírito através das diferentes épocas e dos povos, a reconciliação da filosofia e da religião cristã, este jovem destemido vê unicamente neste ilustre mestre “um charlatão aborrecido, sem espírito, repugnante, ignorante”, cuja filosofia consiste numa espécie de colossal mistificação.

"(...) uma verborreia totalmente vazia de sentido, um conjunto de disparates tão completo que nunca se viu nada assim, pelo menos enunciado fora do manicómio”.

Schopenhauer, ética et coetera>>> Em 1831, deixou Berlim, fixando-se em Frankfurt-sobre-o-Main, onde passou o resto da vida, dedicado exclusivamente à reflexão filosófica. Decididamente a vida não lhe permitia acalentar ilusões otimistas (obra: Os dois problemas fundamentais da Ética, publicado em 1851).

"(...)toda boa ação totalmente pura, toda ajuda verdadeiramente desinteressada, que, como tal, tem por motivo a necessidade de outrem, é, quando pesquisada até o último fundamento, uma ação misteriosa, uma mística prática, contanto que surja por fim do mesmo conhecimento que constitui a essência de toda mística propriamente dita e não possa ser explicável com verdade de nenhuma outra maneira". (SCHOPENHAUER, 2, p. 221)

Schopenhauer, enfim>>> De todas as suas obras, uma alcançou inesperado sucesso e foi a que mais contribuiu para a disseminação de sua filosofia (obra: Acessórios e Remanescentes, publicado também em 1851). A partir daí, a notoriedade do autor espalhou-se pela Alemanha e depois para a Europa. Na Alemanha, a filosofia de Hegel entrou em declínio e Schopenhauer surgiu como ídolo das novas gerações. Schopenhauer conseguiu, nos últimos anos de sua vida o reconhecimento que sempre buscou. A Universidade de Breslau dedicou cursos à análise de sua obra e a Academia Real de Ciências de Berlim propôs-lhe o título de membro, em 1858, que ele recusou. Dois anos depois, a 21 de setembro de 1860, Arthur Schopenhauer faleceu aos 72 anos de idade, vítima de pneumonia.

"Em geral, os sábios de todos os tempos têm dito sempre o mesmo, e os nécios, isto é, a imensa maioria de todos os tempos, têm também feito e dito sempre o mesmo, e continuará sempre sendo assim. Por isso dizia Voltaire: Nóus laisserons ce monde ci aussi sot et aussi mechant que nous l'avons trouvé en y arrivant."

Schopenhauer & Filosofia da vontade>>> Arthur Schopenhauer é o filósofo da vontade. Ela é o único elemento permanente e invariável do espírito, aquele que lhe dá coerência e unidade, que constitui a essência do homem. A vontade seria o princípio fundamental da natureza, independente da representação, não se submetendo às leis da razão.

"A consciência é a mera superfície de nossa mente, da qual, como da terra, não conhecemos o interior, mas apenas a crosta".

O inconsciente apresenta assim, um papel fundamental na filosofia de Schopenhauer. A vontade é, acima de tudo, uma vontade de viver e de viver na máxima plenitude. Ela triunfa da própria morte graças à estratégia da reprodução, que a torna imperecível. Por isso o instinto de reprodução é o mais forte de todos os instintos. A atração sexual é determinada por motivos estranhos ao indivíduo e tem em vista, apenas, assegurar a perpetuação da espécie, nas melhores condições possíveis.
Desde que o mundo é essencialmente vontade, não pode deixar de ser um mundo de sofrimento. A vontade é um índice de necessidade, e como ela é imperecível, continua sempre insatisfeita. A aparente satisfação da vontade conduz ao tédio. A satisfação de um desejo é como a esmola que se dá ao mendigo, só consegue manter-lhe a vida para lhe prolongar a miséria. Por isso mesmo a vontade é um mal e a origem de todos os males.
O conhecimento não nos permite triunfar do mal. Pelo contrário: desenvolve a capacidade de o sentir, aumentando a sensibilidade. O suicídio também não seria a solução, porque a vontade subsistiria sob outra forma, na espécie. A destruição voluntária de uma só existência é um ato inútil e estúpido porque a coisa em si - a espécie, a vida e a vontade em geral - não seria afetada. A solução do problema do mal está no aniquilamento da vontade, na renúncia total. Assim Schopenhauer se aproxima do ideal budista.

"Nada merece nosso esforço, todas as coisas boas são apenas vaidades, o mundo é uma bancarrota e a vida, um mau negócio, que não paga o investimento. Para ser feliz, é preciso ser como as crianças: ignorante."



+++ Etecetera

Les Invasions Barbares/As Invasões Bárbaras
Canadá-França/ 2003 / 99 min / Drama
Direção: Denys Arcand
Elenco: Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Dorothée Berryman, Louise Portal, Dominique Michel, Yves Jacques, Pierre Curzi, Marie-Josée Croze

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Já notaram como nossa vida está cada vez mais fútil, mais difícil de ser carregada? Notaram como a inversão de valores é cada vez mais constante na rotina que nos acompanha?
Ultimamente tenho procurado uma maneira de escapar da fragilidade que nos incomoda nos momentos de crise de consciência, devido à possibilidade de um futuro incerto. Não sei ao certo se definir uma meta é realmente eficaz. No entanto, percebi que em todos esses momentos contínuos de insensatez ludibriante havia um certo alguém que olhava teus passos e te colocava nos trilhos novamente. Também não há necessariamente de ser uma pessoa (ou várias). Mas falo hoje especialmente de pessoas.
Já nos demos conta da importância de cultivarmos amizades consistentes durante todo nosso processo de desenvolvimento, sobretudo de formação de caráter?
A amizade é formada sem explicações lógicas. Todos os dias nos deparamos com alguém que possui as características exatas da pessoa que poderia ser o nosso melhor amigo, não significando necessariamente que a reciprocidade acontecerá. Diz o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson(1803-1882): "A amizade requer aquele raro ponto médio entre a semelhança e a diferença". Deste modo, amigo é aquele que apresenta o conflito sem possibilidade de ruptura. Fala-se o que não se quer ouvir e mesmo assim não há problema. No final todos sabem que ser amigo é ser bom para alguém sem querer nada em troca.
Uma amizade de longa data requer muita maturidade, resumida na capacidade de reconhecer os próprios limites e saber onde procurar o que falta. A possibilidade de superar as mágoas é também um imensurável pressuposto de amizades duradouras. O tempo é uma contigência. Não afasta, apenas adia!

"Tomzinho querido: Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo. São dez horas da noite e não se vê viv'alma. Meu navio só sai de amanhã à tarde e é impossível alguém estar mais triste do que eu. E, como sempre nestas horas, escrevo para você cartas que nunca mando"

Trecho de carta de Vinícius de Moraes (1913-1980), de 07 de setembro de 1964, para Antônio Carlos Jobim (1927-1994)



+++ Etecetera

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Carta ao Tom, Vinícius de Moraes

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2004

Tratado 1º sobre o Amor

Então você pára, respira ofegantemente, raciocina, e desiste.
Desiste porque você não tem coragem, porque você tem receio, medo de ser privado...
Raciocina porque nem todos somos macacos; alguns são chipanzés, lontras, rinocerontes...
e Respira porque você não quer morrer, não hoje, não ao menos ver como termina...

- PARE!

- Não, não ouço tão petulante voz.

- PARE, se não te amo!

- O quê? Amar-me? Tu? Tais loca, devassa? Amor é para quem não sabe falar, mas fala. Amor é para quem não sabe rolar, mas rola. Amor é pra quem não sabe cantar, mas canta.

- Juro! (!!!) Juro "por tudo que é mais sagrado"!

- Ser ignóbil da Natureza, nada mais me fascina. O Amor é a estrela que guia o horizonte dos ébrios, ao luar, na mais clara escuridão já vista. Amor é algo que se compra com títulos a longo prazo, e que não se vendem, jamais. Amor é algo assim, idiota, moroso, insensato, frodisíaco, indiscreto, insano, desajuizado, incoerente, incongruente, desigual. Amor é cego dos olhos. Amor é nulo quando nula for a vontade de amar. Amor se traduz em lágrimas. Amor não se esquece. Amor não se engana. Amor não se empresta. Amor é assim, azul, verde, às vezes vermelho. Amor é aquele que você vê na TV, mas não acredita. Amor é aquele que você compra com a alma, e vende com o corpo. O Amor é insubstituível! Amor desvia rumos, transforma metas. Amor é péssimo, mas certamente só não é pior que a vontade de amar!

Rodrigo Sluminsky



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So beautifull, Simply Red

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

Esperança

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

Mário Quintana


Por favor, leiam de novo! Leiam e releiam, quantas vezes for preciso. Mas não levem muito a sério não. Mário Quintana tinha uma maneira peculiar de animas as pessoas. Nas suas obras há poucos traços pessimistas, de poeta recuado. Dizia ele: "Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer".
Seguir em frente era uma obrigação para com o mundo, pelo que entendo. Notar as coisas simples, perceber que pouca coisa é perfeita e saber lidar com situações inesperadas são ensinamentos primários de Mário Quintana.

"Ou nos conformamos com a falta de alguma coisa na nossa vida ou lutamos para realizar todas as nossas loucuras (...) Quem não compreende um olhar tampouco compreenderá uma longa explicação".



+++ Etecetera

http://www.poiesis.art.br/

Dindi, Gal Costa & Tom Jobim

terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Os Sentidos não têm sentido

Dir-me-iam o quê, Deuses surdos e mudos e insípidos?
Dois sentidos é muito para quem teve pouco, mas é muito pouco para quem teve muito!
Dois sentidos, apenas: Visão e Tato. Visão tímida, tato redundante, indeciso. Olfato nulo, ininteligível. Audição monossílábica, ou até onomatopéica. Gustação incontestavelmente desproporcional. Ph -30° F.
Sexto sentido. Medo de sentir o sexto sentido. Medo de saber que o sexto sentido existe. Pavor do sexto sentido.
Dor, de quem não tem sentido, que não está sentido. Um sentido, mais outro sentido. Dois sentidos. Uma só sentida. Mas dois sentidos em uma só sentida. Mais que isso é arriscado. O poço vem rapidamente até nós. O fundo do poço é mais raso que dois sentidos. Confiram comigo:
> O poço é dois mais um milésimo, menos um, sobre dois.
> O fundo do fundo do poço é um menos esse milésimo, mais meio.
> Embaixo do fundo do poço é esse um menos o tal do milésimo, menos vírgula novecentos e noventa e nove.
Pelo menos o sentimento de começar do zero e de poder fazer as coisas da melhor maneira possível recompensa. Além do mais, zero é melhor que um milésimo!

Atenção > > > a tensão! A-lanina, A-drenalina, A-nilina, A-cepcia, Naftalina...
Sinestesia > > > sem anestesia. Indolor, sem dor, sem cor, sem calor, sem pudor, sem amor...

"On ne voit bien qu`avec le coeur. L`essential est invisible pour les yeux"
(Só se vê o bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos)



+++ Etecetera

http://www.iar.unicamp.br/alunos/poesiavisual/labios_01.swf

Sunday Morning Call, Oasis

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2004

Ciência plenamente refutável vs Auto-ajuda de 5ª

Apresento-lhes uma experiência diretamente tirada da internet (sem fonte, portanto) e uma conclusão pseudo-filosófica plenamente contestáveis. Minhas conclusões acerca do conteúdo não causam nenhum reboliço. O ceticismo constante traz à tona a inércia de quem já está parado. Mas sintam-se à vontade para criticar e/ou contemplar a idéia proposta (Você e etc.). Agradeço a compreensão e a paciência.
O aforismo subseqüente, no entanto, é de altíssima qualidade e autoria comprovada.

>>> Ciência plenamente refutável

Um cientista coloca um ratinho em uma gaiola. No início, ele ficará passeando de um lado para outro, movido pela curiosidade. Quando sentir fome, irá na direção ao alimento. Ao tocar no prato, no qual o pesquisador instalou um circuito elétrico, o ratinho levará um substancial choque. Depois disso, o ratinho correrá na direção oposta ao prato. A dor provocada pelo choque faz com que despreze o alimento. Depois de algum tempo, porém, o ratinho entrará em contato com a dupla possibilidade da morte: a morte pelo choque ou pela fome. Quando a fome se tornar insuportável, o ratinho, vagarosamente, irá de novo em direção ao prato. Neste interím, no entanto, o pesquisador desliga o circuito e o prato não está mais eletrificado. Porém, ao chegar a quase tocá-lo, o medo se tornara tão grande que o ratinho terá a "sensação" de que levou um segundo choque. Haverá taquicardia, seus pêlos se eriçarão e ele correrá novamente em direção oposta ao prato.
Se lhe perguntássemos o que aconteceu, a provável resposta seria: - "Levei outro choque". Entretanto, a energia elétrica estava desligada!
A partir desse momento, o ratinho vai entrando numa tensão muito grande. Seu objetivo, agora, é encontrar uma posição intermediária entre o ponto da fome e o do alimento que lhe dê uma certa tranqüilidade. Agora, qualquer estímulo distinto do sossego da gaiola, por mais simples que seja, como barulho, luminosidade ou algo que mude o ambiente, levará o ratinho a uma reação de fuga em direção ao lado oposto do prato. É importante observar que ele nunca corre em direção à comida, que é o que ele realmente precisa para sobreviver. Se o pesquisador empurrar o rato em direção ao prato, ele poderá morrer em conseqüência de uma parada cardíaca, motivada pelo excesso de adrenalina, causado pelo medo de que o choque primitivo se repita.


>>> Auto-ajuda de 5ª

Quantas vezes, esta semana, você teve vontade de convidar alguém para sair, para conversar, para ir à praia ou ao cinema, e não o fez, temendo que a pessoa pudesse não ter tempo ou não gostasse de sua companhia e, desse modo, acabou se sentindo rejeitado, sem ao menos ter tentado?
Quantas vezes você se apaixonou sem que o outro jamais soubesse do seu amor?
Quantas vezes você abandonou alguém, com medo de ser abandonado antes?
Quantas vezes você sofreu sozinho, com medo de pedir ajuda e ficar "dependente" de alguém?
Quantas vezes você se afastou de um grande amor, com medo de se comprometer?
Quantas vezes você não se entregou ao amor por medo de perder o controle de sua "liberdade"?
Quantas vezes você deixou de viver um grande amor com medo de sofrer de novo?
Quantas vezes você tomou um choque sem tocar no prato?


"Nossas dádivas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare



+++ Etecetera

A alma do mundo, Suzana Tamaro

Free as a bird, The Beatles

domingo, 1 de fevereiro de 2004

Constituição & etc.

Bom pessoal, um pouquinho de cultura cívica para reanimar nosso amor pela Pátria.
Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém um conjunto de normas reguladoras referentes, entre outras questões, à forma de governo, à organização dos poderes públicos, à distribuição de competências e aos direitos e deveres dos cidadãos et coetera. Toda outra forma de legislação deve respeitá-la, independente de onde venha, inclusive no caso de legislação internacional.
O Brasil tem na sua história sete constituições oficiais, uma no período monárquico e seis no período republicano. As mudanças constitucionais, em geral, ocorrem no contexto de importantes modificações sociais e políticas do país, como geralmente acontece com qualquer nova deliberação.
São inúmeras as modificações constitucionais e a quantidade de leis existentes no nosso país. Para se ter uma idéia, até o ano passado haviam sido registradas mais de 40.000 leis especiais, que são responsáveis por regular matérias específicas. Também como parâmetro, no ano de 2003 foram votadas 87 novas leis pelo Congresso Nacional, sendo que algumas delas ainda nem entraram em vigor.
Parece complicado manusear todo esse aparato jurídico, mas na verdade pouco do que se produz hoje no Brasil é realmente eficaz à realidade da sociedade como um todo. Diz-se, então, que a lei "não pegou", e todo aquele esforço dispendioso torna-se inútil.
Isso acontece porque ainda boa parte da mentalidade tupiniquim prefere sobrelevar os interesses individuais a lutar para que o país se desenvolva como nação. Corrupção, apadrinhamento, negligência, tudo isso é só uma ponta do grandioso poço de desonestidade no qual o Brasil está imerso.

"A luta pelo direito é um dever do indivíduo para consigo mesmo (...) A defesa do direito constitui um dever para com a comunidade".

Ihering, Rudolf von. A Luta Pelo Direito.


Abaixo vocês podem conferir um resumo das sete constituições:


Constituição de 1824

Primeira Constituição do país, outorgada por dom Pedro I. Mantém os princípios do liberalismo moderado.

Principais medidas - Fortalecimento do poder pessoal do imperador com a criação do Poder Moderador acima dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As províncias passam a ser governadas por presidentes nomeados pelo imperador. Eleições indiretas e censitárias, com o voto restrito aos homens livres e proprietários e condicionado a seu nível de renda.

Reformas - Ato Adicional de 1834, que cria as Assembléias Legislativas provinciais. Legislação eleitoral de 1881, que elimina os dois turnos das eleições legislativas.


Constituição de 1891

Promulgada pelo Congresso Constitucional que elege Deodoro da Fonseca presidente. Tem espírito liberal, inspirado na tradição republicana dos Estados Unidos.

Principais medidas - Estabelece o presidencialismo, confere maior autonomia aos estados da federação e garante a liberdade partidária.

Institui eleições diretas para a Câmara, o Senado e a Presidência da República, com mandato de quatro anos. 0 voto é universal e não­-secreto para homens acima de 21 anos e vetado a mulheres, analfabetos, soldados e religiosos. Determina a separação oficial entre o Estado e a Igreja Católica e elimina o Poder Moderador.


Constituição de 1934

Promulgada pela Assembléia Constituinte durante o primeiro governo do presidente Getúlio Vargas, reproduz a essência do modelo liberal anterior.

Principais medidas - Confere maior poder ao governo federal. Estabelece o voto obrigatório e secreto a partir dos 18 anos e o direito de voto às mulheres, já instituídos pelo Código Eleitoral de 1932. Prevê a criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho.


Constituição de 1937

Outorgada por Getúlio Vargas, é inspirada nos modelos fascistas europeus. Institucionaliza o regime ditatorial do Estado Novo.

Principais medidas - Institui a pena de morte, suprime a liberdade partidária e anula a independência dos poderes e a autonomia federativa. Permite a suspensão de imunidade parlamentar, a prisão e o exílio de opositores. Estabelece eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.


Constituição de 1946

Promulgada durante o governo Dutra, reflete a derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial e a queda do Estado Novo.

Principais medidas - Restabelece os direitos individuais, extinguindo a censura e a pena de morte. Devolve a independência dos três poderes, a autonomia dos estados e municípios e a eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos.

Reformas - Em 1961 sofre importante reforma com a adoção do parlamentarismo, posteriormente anulada pelo plebiscito de 1963, que restaura o regime presidencialista.


Constituição de 1967

Promulgada pelo Congresso Nacional durante o governo Castello Branco. Institucionaliza a ditadura do Regime Militar de 1964.

Principais medidas - Mantém o bipartidarismo criado pelo Ato Adicional n° 2 e estabelece eleições indiretas para presidente da República, com mandato de quatro anos.

Reformas - Emenda Constitucional n° 1, de 1969 (praticamente se considera uma nova constituição), outorgada pela Junta Militar. Incorpora nas suas Disposições Transitórias os dispositivos do Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 1968, permitindo que o presidente, entre outras coisas, feche o Congresso, casse mandatos e suspenda direitos políticos. Dá aos governos militares completa liberdade de legislar em matéria política, eleitoral, econômica e tributária. Na prática, o Executivo substitui o Legislativo e o Judiciário. No período da abertura política, várias outras emendas preparam o restabelecimento de liberdades e instituições democráticas.


A Constituição de 1988

É a Constituição em vigor. Elaborada por uma Assembléia Constituinte, legalmente convocada e eleita, é promulgada no governo José Sarney. É a primeira a permitir a incorporação de emendas populares. Boa parte dos dispositivos constitucionais ainda depende de regulamentação.

Principais medidas - Mantém a tradição republicana brasileira do regime representativo, presidencialista e federativo. Amplia e fortalece os direitos individuais e as liberdades públicas ­que haviam sofrido restrições com a legislação do Regime Militar-, garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Conserva o Poder Executivo forte permitindo a edição de medidas provisórias com força de lei - vigoram por um mês e são reeditadas enquanto não forem aprovadas ou rejeita­das pelo Congresso. Estende o direito do voto facultativo a analfabetos e maiores de 16 anos. Estabelece a educação fundamental como obrigatória, universal e gratuita. Enfatiza a defesa do meio ambiente, transformando o combate à poluição e a preservação da fauna, flora e paisagens naturais em obrigação da União, estados e municípios. Reconhece também o direito de todos ao meio ambiente equilibrado e a uma boa qualidade de vida. Determina que o poder público tem o dever de preservar documentos, obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, bem como os sítios arqueológicos.

Reformas - Começam a ser votadas pelo Congresso Nacional a partir de 1992. Algumas das principais medidas abrem para a iniciativa privada atividades antes restritas à esfera de ação do Estado. Essa desregulamentação é feita com o objetivo de adequar o país às regras econômicas do mercado internacional. Para isso é liberada a navegação pela costa e interior do país (cabotagem) para embarcações estrangeiras. O conceito de empresa brasileira de capital nacional é eliminado, não havendo mais distinção entre empresa brasileira e estrangeira. A iniciativa privada, tanto nacional quanto internacional, é autorizada a explorar a pesquisa, a lavra e a distribuição dos derivados de petróleo, as telecomunicações e o gás encanado. As empresas estrangeiras adquirem o direito de exploração dos recursos minerais e hidráulicos.

Na política ocorre a regulamentação de questões eleitorais, o mandato do presidente da República é reduzido de cinco para quatro anos e, em 1997, é aprovada a reeleição do presidente da República, de governadores e prefeitos. Candidatos processados por crime comum não podem ser eleitos, e os parlamentares submetidos a processo que possa levar à perda de mandato e à inelegibilidade não podem renunciar para impedir a punição. A Constituição também passa a admitir a dupla nacionalidade para brasileiros em dois casos: quando estes têm direito a outra nacionalidade por ascendência consangüínea ou quando a legislação de um país obriga o cidadão brasileiro residente a pedir sua naturalização.



+++ Etecetera

http://www.brasil.gov.br/

Brasileirinho, Altamiro Carrilho

sábado, 31 de janeiro de 2004

"De nada adianta cercear um coração vazio ou economizar alma..."

Luís Fernando Veríssimo


Pra mim esta parte do Veríssimo já está ótima! Estou indo pra balada. Uns amigos meus estão vindo aqui me buscar, e eu tenho certeza que o pé quebrado (tsc, tsc) não será obstáculo. Só não falarei pro médico, né?



+++ Etecetera

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Stayin' alive, Bee Gees

sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

O que é arte?
Objetivamente, Arte pode ser uma forma direta (ou indireta) de transmissão de emoções. Seria a transfiguração de um sentimento, a sublimação do metafísico.
Todos já ouvimos falar, por exemplo, que o cinema é a sétima arte, mas vocês sabem quais são as outras?
Essa classificação é bastante simples e razoável, podendo até mesmo ser hierarquizada:

Primeira arte >>> Música
Segunda arte >>> Dança
Terceira arte >>> Plástica bidimensional (Desenho/Pintura)
Quarta arte >>> Plástica tridimensional (Escultura)
Quinta arte >>> Teatro
Sexta arte >>> Literatura
Sétima arte >>> Cinema

As quatro primeiras artes são certamente mais antigas. Nasceram com o mundo pré-escrito e já eram materializadas, de alguma forma, pelos animais. A ordem entre a quinta e a sexta arte é ainda controversa. Considera-se o Teatro como mais antiga que a Literatura, justamente por esta estar à mercê da invenção da escrita, por volta de 4.000 anos antes de Cristo. A sétima arte talvez seja a mais fascinante por tentar reunir todas as outras.
Sinceramente, ainda não sei exato se possuo uma preferência sobre este conjunto, que forma a essência de tudo que é do cosmos.
De qualquer maneira, momento cultural, só para tirar o cérebro do formol.



+++ Etecetera

http://www.xr.pro.br/Arte.html

Whole, de Renoir

quinta-feira, 29 de janeiro de 2004

Soneto

Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
Sem falta lhe terá bem merecido
Que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piedoso;
Quem o contrário diz não seja crido:
Seja por cego e apaixonado tido,
E aos homens e inda aos deuses odioso.

Se males faz Amor, em mi se vêem;
Em mim mostrando todo o seu rigor,
Ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;
Todos estes seus males são um bem,
Que eu por todo outro bem não trocaria.

Luís de Camões



+++ Etecetera

A insustentável leveza do ser, Milan Kundera

Nocturne op48 nº 01 in C miror, Chopin

quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

Crônica do coração

Zé Barnabé era um cara legal, rodeado de amigos e tal. Vivia sempre alegre. Adorava ouvir música, caminhar à Beira-mar, praticar esportes. Também estudava com afinco. Gostava mesmo de saber o que estava fazendo; era um homem que ficava mal em estar por fora dos assuntos do momento. Lia jornal. Todos os dias! Política era sua utopia! Mas o que interessava mesmo era Ritinha. Política era o passatempo, assim como o vinho e o uísque. Ritinha era sua paixão! Faria tudo por ela. O problema é que Zé Barnabé era meio desajeitado. Até era sim meio galã, com ar esnobe e prepotente. Mas ainda assim ele não levava jeito para cavalheiro. Pior mesmo, levava jeito era pra cachaçeiro! Ah...isso era a especialidade. Botequim de quinta, boemia ferrada, cana das boas. Ainda bem que ele era azarado, porque senão até na jogatina o filho-da-puta se dava bem.

- Diga, meu filho, o que acontece?

- Eu sou muito azarado.

- Não seja presunçoso. Tem uma família que te ama, amigos que te querem bem, muita coisa.

- Tinha, tinha.

- Como aconteceu?

- Estava com muitos amigos, conversando, bebendo. Sabe esse negócio de bar e tal. O negócio é prazeroso. Mas o chão desaba...

- Ahhh...entendo! As coisas do coração, não é?

- Pois é!

- Qual era o nome?

- Ritinha era seu nome.

- Isto não é explicável!

- Até que é, mas não consigo. Quando acontece a ira é superior a qualquer sentimento. Incontrolável!

- Pulaste a cerca?

- Pois é! Sem pudor ou escrúpulos! Era a raiva, acho. Mas agora tanto faz!

- Morreste, então?

- É! Pela primeira vez!

- Continue.

- Bom, depois disso achei que não mais conseguiria seguir meus objetivos. Naquele momento desabou tudo!

- Foi bom?

- Descobri mais tarde que não adiantava. Morri pela segunda vez!

- Entendo! Que fizeste, então?

- Lembrei-me de um amigo: quando perderes uma base na vida, recorra às outras. Ainda possuía minha família, meus amigos e meu trabalho.

- Mas não o principal!

- É! Não o que mais queria, mas isso não significa que o resto seja menos importante. Tudo ajudou, mas passei por uns péssimos bocados.

- Melhorou?

- Achei que estivesse melhorando. Mas começei a me apoiar em coisas fúteis, tais como a vida noturna, baladas, bebida. Boemia de verdade.

- Pelo menos esqueceu!

- Sim, mas acabei morrendo! Pela terceira vez!

- De quê?

- Cirrose! Tudo por causa de um amigo que conheci. Ele não me fazia bem.

- Que amigo?

- O Wall Street! Eu adorava ele, mas não me fazia bem. Até nem me sentia mal por estar com ele, todos os dias. Mas fiquei muito sentido quando ele me passou essa rasteira. Claro que não me esqueci dos outros amigos. Também andava com a cevada, o fermentado, o destilado. Mas o malte era meu companheiro inseparável, até que...

- Até que o quê?

- Até que resolvi me reciclar! Parei para pensar em como eu era responsável e minha vida era organizada. Acabei me fortaleçendo com a idéia de que nada é por acaso e que mesmo um coração valente pode sofrer desilusões incompreenssíveis. Na verdade acabei me acostumando com a dor.

- Que bom que você aprendeu a lidar como os problemas. Pelo menos não sofreu mais desilusões!

- Mais ou menos! As pessoas não se contentam em pisar uma nas outras. Preferem esmagar até que saia quase todo o sangue. A vaidade é uma merda mesmo. Nitsche dizia isso. Ele comparava a vaidade à pele dos seres humanos. Os sentimentos podres eram mascarados pela vaidade tal como a pele escondia a fealdade dos nossos órgãos internos.

- O que aconteceu desta vez?

- Acabei morrendo, pela quarta vez!

- Hum...

- Mas não desisti não! Levantei a cabeça e toquei o barco pra frente. Se bem que a esta altura eu já não tinha mais emprego, não queria estudar, não sabia mais com quem falar e muito menos que rumo tomar.

- Deixe-me adivinhar...amigos?

- Também! Meus amigos e minha família me apoiaram nesta nova fase. Eu não entendia direito o que estava acontecendo, por isso mesmo achei melhor fazer o que parecia mais adequado.

- Mas você não fez nada para evitar tudo isso?

- Até tentei, sabe. Até tentei. Mas parece que não surtiu efeito nenhum, embora eu nunca acreditaria nisso. Das poucas vezes que agi com impulso me arrependo somente de não poder me expressar com os olhos. Infelizmente hei de concordar com Nitsche, mais uma vez.

- Mas desta vez você se livrou desta arruaça, ora pois!

- Superficialmente sim! Acabei criando uma certa barreira contra maus fluídos que me deixou inerte à vaidade alheia.

- Tudo bem então, mas como você veio parar aqui?

- Bom, São Pedro, alguns amigos vieram me visitar e fomos juntos a um show lá na minha cidade.

- Tá, e daí?

- Bom, estávamos atrasados para o evento. Todos meus amigos e eu, bebendo cerveja e jogando conversa fora, até que resolvemos entrar no dito cujo.

- E...

- E então que para cortar caminho resolvemos pular uma cerca.

- De novo?

- Pois é! Acabei caindo de mau jeito e quebrei o pé!

- Mas como você veio parar aqui em cima?

- Você se lembra que eu estava com pouco sangue, por causa daquele negócio de vaidade e tal?

- Sim, me lembro!

- Hemorragia externa. Acabei morrendo. Pela quinta vez!

- Não acredito! Agora pelo menos você sossega o facho aqui no céu.

- Felizmente não, meu caro. Ontem mesmo me disseram que eu era um gato e que nada poderia me segurar. E como os gatos têm sete vidas, acho que descerei mais uma vez para aproveitar minhas outras duas.

- É, Zé Barnabé, você é mesmo azarado! Eu só espero não vê-lo de novo tão cedo!

- Se Deus quiser, São Pedro! Se Deus quiser!


Rodrigo Sluminsky




+++ Etecetera

www.releituras.com

Samba da Bêncão, Vinícius de Moraes

terça-feira, 27 de janeiro de 2004

É preciso não esquecer nada

É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.

Cecília Meireles


Talvez alguém aqui leia a coluna semanal da Martha Medeiros (http://almas.terra.com.br/). Não, não peguei lá esta poesia da Cecília. Simplesmente reconheci certa semelhança entre os dois textos. A interpretação desta obra poética continuará à deriva, eterna, intocável! O texto da Martha é sim mais simples, porém não perde seu mérito. A idéia essencial poderia ser resumida naquele célebre aforismo: "Nada dura para sempre!". O paradoxo é fascinante, como se fossem pular de um precipício e desligar a gravidade ao mesmo tempo! Não podemos de maneira alguma esquecer de nada, principalmente que devemos nos esquecer! Chega a ser patético, não chega?
Viver incansavelmente atrás dos píncaros da vitória e renunciá-los com o triunfo. Para onde então, José?
Não defendo nem Calvino nem Bob Marley! Também não acho que estou sendo morno, digno da anabolia bíblica! Acredito sinceramente no poder do trabalho e do esforço individual como garantias para uma vida decente, mas não sei porque não viver ao mesmo tempo! Ociosidade não é um substantivo difícil de ser detectado, mas o julgamento precoce de situações determinadas pode ser irreversível!
Viver é a melhor saída e, de preferência, sem pensar em como vamos morrer!